sábado, 24 de janeiro de 2009

0775) As ruínas dos satélites (11.9.2005)



Jonas Bendiksen é um fotógrafo norueguês, da agência Magnum, que tem viajado pelos territórios da antiga União Soviética documentando o que existe por lá depois do esfacelamento daquela colcha-de-retalhos étnica e histórica. Este torvelinho político e geográfico é uma das coisas mais fascinantes de nossa época, e a obra de escritores como William Gibson (Idoru, Padrões de reconhecimento) e Bruce Sterling (Piratas de Dados) é uma investigação constante destes desvãos da História que só aparecem nas manchetes dos jornais quando acontece por ali uma catástrofe como o massacre da escola de Beslan, o acidente nuclear de Chernobyl ou o afundamento de um submarino.

As fotos podem ser vistas no saite do jornal Le Monde, em: http://www.lemonde.fr/web/vi/0,47-0@2-667725,54-683620@51-683131,0.html. Clicando-se no link que diz “Si la fenêtre avec le portfolio ne s’ouvre pas, cliquez ici”, aparece uma animação em flash com 45 fotos, muitas delas magníficas. Na abertura, um texto explica que com o colapso da ordem soviética muitas regiões remotas ficaram meio que à deriva; não pertencem mais a um governo central mas ao mesmo tempo não são estados independentes, tornando-se uma espécie de satélites, apêndices étnicos que não foram oficialmente extirpados de alguma república vizinha.

Para mim são particularmente comoventes as fotos do lixo espacial, feitas numa região desértica onde caem as partes descartadas dos foguetes que os russos mandam ao espaço. Segmentos inteiros dessas naves, do tamanho de um vagão de trem, descem do céu trovejando e em chamas, e espatifam-se contra o chão do deserto. Sempre que um deles é avistado (grupo de catadores de lixo ficam de tocaia, após os lançamentos, com binóculos), os caras pulam dentro dos carros, ligam o motor e partem à toda para lá. Com maçaricos e serras, eles desmancham os pedaços de foguete para vender o metal –ligas de titânio caras e resistentes.

Também há fotos de viciados em drogas aplicando-se injeções no meio de salões dilapidados onde resta apenas um tapete persa na parede (a última coisa que falta vender); vacas tombadas num prado verdejante, mortas depois de beberem água poluída; imensos conjuntos habitacionais em ruínas; um bizarro ritual de batismo em que é cortada no gelo de um lago uma abertura em forma de cruz, para que o batizado seja imerso na água geladíssima e depois reanimado com alguns copos de vodka pura.

O mundo globalizado é como uma metrópole, e esses países sem nome são os becos e arrabaldes entregues à sua própria sorte, lugares “boca quente” onde as pessoas sobrevivem como podem, acreditam no que querem, drogam-se com o que estiver ao seu alcance, e esperam a vida passar como esperamos o fim de um pesadelo que tivemos a sorte de descobrir ser um pesadelo antes mesmo de acordarmos. É o mundo de hoje, e é um inquietante trailer do mundo de amanhã.

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