As celebrações (termo que me parece mais adequado do que “comemorações”) da passagem do 4o. aniversário dos atentados do 11 de setembro me trouxeram à mente algumas emoções que eu julgava arquivadas. Parte delas foi despertada pela reexibição, na TV a cabo, de um filme que a crítica em geral detestou, mas que acho excelente: Os heróis, um teatro-filmado com apenas um casal de atores: Sigourney Weaver e Anthony LaPaglia, aquele ótimo ator que é a cara de Carlos Alberto Parreira. Ele é um capitão do Corpo de Bombeiros que recorre a ela, uma escritora profissional, para redigir o elogio fúnebre dos seus companheiros que morreram nas Torres Gêmeas.
Tem gente que chora quando vê a vida de Zezé de Camargo e Luciano, tem gente que chora vendo novela da Globo, e gente que chora com os filmes de Fellini. Nada disso me abala, mas é a terceira vez que vejo esse filme sem nada de excepcional e fico com os olhos, digamos, levemente umedecidos. LaPaglia é um sujeito fechadão, que reprime as próprias emoções, mas que vai se soltando quando tem que descrever para uma desconhecida seus ex-companheiros mortos. Seguem-se várias histórias de camaradagem masculina, de trabalho duro, de coragem pessoal, e de famílias que de uma hora para outra perderam seu centro. Quase não há flash-backs: o filme inteiro transcorre na sala do apartamento (era, originalmente, uma peça de teatro), com ela fazendo perguntas e conseguindo arrancar dele, pouco a pouco, o perfil daqueles indivíduos.
Não é um filme feito-para-chorar, e é sintomático que o título original não tenha a grandiloqüência do título brasileiro. Lá, o filme se chama “The Guys”: os caras, os rapazes, a galera, a turma. É assim que os homens gostam de se ver em conjunto, é assim que eles gostam de se considerar quando se auto-observam na companhia dos seus iguais. Todo sujeito que tende a ver a si mesmo como um herói perde um pouco de masculinidade, na minha opinião. Querer ser herói é ceder à tentação da fama, da glória, da badalação, do “glamour” – e isso, convenhamos, não é negócio pra homem.
Um bombeiro é o soldado que não mata, o soldado que salva vidas. Um herói é simplesmente um cara que se viu numa situação em que só tinha duas alternativas: se comportar como um filho-da-puta ou se comportar como um herói, e ele teve que escolher a segunda. Os bombeiros do filme (muito bem descritos através do ótimo diálogo e da interpretação de LaPaglia) são sujeitos rudes, fortes, algo ingênuos, com qualidades e defeitos. Se alguém foi herói no 11 de setembro, mesmo a contragosto, foram eles. Eles expressam aquelas qualidades masculinas que o western americano tanto celebrou: coragem pessoal, desprendimento, lealdade para com os seus e solidariedade para com completos desconhecidos, o senso do dever profissional e da obrigação moral, o amor aos aspectos técnicos do próprio trabalho independentemente do reconhecimento público que este tenha ou não.
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