sábado, 24 de janeiro de 2009

0778) Requiem pelos bombeiros (15.9.2005)



As celebrações (termo que me parece mais adequado do que “comemorações”) da passagem do 4o. aniversário dos atentados do 11 de setembro me trouxeram à mente algumas emoções que eu julgava arquivadas. Parte delas foi despertada pela reexibição, na TV a cabo, de um filme que a crítica em geral detestou, mas que acho excelente: Os heróis, um teatro-filmado com apenas um casal de atores: Sigourney Weaver e Anthony LaPaglia, aquele ótimo ator que é a cara de Carlos Alberto Parreira. Ele é um capitão do Corpo de Bombeiros que recorre a ela, uma escritora profissional, para redigir o elogio fúnebre dos seus companheiros que morreram nas Torres Gêmeas.

Tem gente que chora quando vê a vida de Zezé de Camargo e Luciano, tem gente que chora vendo novela da Globo, e gente que chora com os filmes de Fellini. Nada disso me abala, mas é a terceira vez que vejo esse filme sem nada de excepcional e fico com os olhos, digamos, levemente umedecidos. LaPaglia é um sujeito fechadão, que reprime as próprias emoções, mas que vai se soltando quando tem que descrever para uma desconhecida seus ex-companheiros mortos. Seguem-se várias histórias de camaradagem masculina, de trabalho duro, de coragem pessoal, e de famílias que de uma hora para outra perderam seu centro. Quase não há flash-backs: o filme inteiro transcorre na sala do apartamento (era, originalmente, uma peça de teatro), com ela fazendo perguntas e conseguindo arrancar dele, pouco a pouco, o perfil daqueles indivíduos.

Não é um filme feito-para-chorar, e é sintomático que o título original não tenha a grandiloqüência do título brasileiro. Lá, o filme se chama “The Guys”: os caras, os rapazes, a galera, a turma. É assim que os homens gostam de se ver em conjunto, é assim que eles gostam de se considerar quando se auto-observam na companhia dos seus iguais. Todo sujeito que tende a ver a si mesmo como um herói perde um pouco de masculinidade, na minha opinião. Querer ser herói é ceder à tentação da fama, da glória, da badalação, do “glamour” – e isso, convenhamos, não é negócio pra homem.

Um bombeiro é o soldado que não mata, o soldado que salva vidas. Um herói é simplesmente um cara que se viu numa situação em que só tinha duas alternativas: se comportar como um filho-da-puta ou se comportar como um herói, e ele teve que escolher a segunda. Os bombeiros do filme (muito bem descritos através do ótimo diálogo e da interpretação de LaPaglia) são sujeitos rudes, fortes, algo ingênuos, com qualidades e defeitos. Se alguém foi herói no 11 de setembro, mesmo a contragosto, foram eles. Eles expressam aquelas qualidades masculinas que o western americano tanto celebrou: coragem pessoal, desprendimento, lealdade para com os seus e solidariedade para com completos desconhecidos, o senso do dever profissional e da obrigação moral, o amor aos aspectos técnicos do próprio trabalho independentemente do reconhecimento público que este tenha ou não.

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