(Os 3 príncipes de Serendip)
Em 1754, o escritor inglês Horace Walpole criou a palavra “serendipity” para designar “a faculdade de descobrir acidentalmente coisas importantes ou necessárias”. A origem do termo estava num conto persa intitulado “Os três príncipes de Serendip” (era o antigo nome do Sri Lanka), príncipes que volta e meia estavam fazendo descobertas desse tipo. Não existe, ao que eu saiba, um termo em português para ele. Uma tradução aproximada seria “serendipidade”, que não soa bem. “Serendipismo” flui melhor no ouvido, embora o sufixo sugira mais uma prática contínua do que a ocorrência de sucessivos fatos isolados.
Nomes à parte, o fato é que o fenômeno existe, e ocorre muito, por exemplo, na pesquisa científica. Fleming descobriu a penicilina quando “o mofo deu” acidentalmente numa de suas culturas de estafilococos e matou as bactérias. Becquerel descobriu a radioatividade por acaso quando deixou alguns sais de urânio guardados numa gaveta onde havia folhas de papel fotográfico; ao revelar as folhas viu que o urânio estava liberando partículas que deixavam marcas no papel. Os exemplos são incontáveis, e mostram que o talento criador consiste, muitas vezes, em observar e interpretar corretamente um acontecimento inesperado ou uma consequência imprevista de um experimento.
Saber aproveitar as contribuições do Acaso não é mais do que reconhecer que grande parte da nossa vida é determinada por ele. Planejamento existe, e funciona; mas existe e funciona na mesma medida em que um barco, descendo um rio, consegue determinar a própria rota. O Acaso é um fluxo de acontecimentos que nos envolve e que nos arrasta consigo, queiramos ou não. Nosso livre-arbítrio consiste em percebermos em que direção esse fluxo está se movendo, e nos movermos com ele, procurando extrair o máximo de benefício e o mínimo de acidentes. O “rio do Acaso” pode ser uma correnteza tranquila e horizontal, mas pode ser um tumulto de corredeiras por entre pedras e curvas fechadas.
Em seu conto “Tlon, Uqbar, Orbis Tertius”, Jorge Luis Borges fala de um mundo imaginário onde os desejos tornam-se reais. A expectativa de encontrar um objeto faz com que esse objeto passe a existir. Uma pessoa, por exemplo, perde um lápis e começa a procurá-lo. Outra pessoa também fica à procura. A primeira acha o lápis, mas se esquece de avisar isto à segunda; esta continua procurando, e acaba por achar outro lápis, idêntico ao primeiro. Essa curiosa faculdade permite aos povos desse mundo a criação de uma arqueologia imaginária. Operários são convocados para fazer escavações num sítio “arqueológico”, para procurar uma máscara de ouro (inexistente) que é descrita em detalhes. Acabam por encontrar um certo número de máscaras, ligeiramente diferentes umas das outras de acordo com o maior ou menor grau de imaginação das pessoas que as encontraram. O mundo de Tlon é o mundo da criação artística, onde algo que não existia passa a existir apenas porque o procuramos.
Em 1754, o escritor inglês Horace Walpole criou a palavra “serendipity” para designar “a faculdade de descobrir acidentalmente coisas importantes ou necessárias”. A origem do termo estava num conto persa intitulado “Os três príncipes de Serendip” (era o antigo nome do Sri Lanka), príncipes que volta e meia estavam fazendo descobertas desse tipo. Não existe, ao que eu saiba, um termo em português para ele. Uma tradução aproximada seria “serendipidade”, que não soa bem. “Serendipismo” flui melhor no ouvido, embora o sufixo sugira mais uma prática contínua do que a ocorrência de sucessivos fatos isolados.
Nomes à parte, o fato é que o fenômeno existe, e ocorre muito, por exemplo, na pesquisa científica. Fleming descobriu a penicilina quando “o mofo deu” acidentalmente numa de suas culturas de estafilococos e matou as bactérias. Becquerel descobriu a radioatividade por acaso quando deixou alguns sais de urânio guardados numa gaveta onde havia folhas de papel fotográfico; ao revelar as folhas viu que o urânio estava liberando partículas que deixavam marcas no papel. Os exemplos são incontáveis, e mostram que o talento criador consiste, muitas vezes, em observar e interpretar corretamente um acontecimento inesperado ou uma consequência imprevista de um experimento.
Saber aproveitar as contribuições do Acaso não é mais do que reconhecer que grande parte da nossa vida é determinada por ele. Planejamento existe, e funciona; mas existe e funciona na mesma medida em que um barco, descendo um rio, consegue determinar a própria rota. O Acaso é um fluxo de acontecimentos que nos envolve e que nos arrasta consigo, queiramos ou não. Nosso livre-arbítrio consiste em percebermos em que direção esse fluxo está se movendo, e nos movermos com ele, procurando extrair o máximo de benefício e o mínimo de acidentes. O “rio do Acaso” pode ser uma correnteza tranquila e horizontal, mas pode ser um tumulto de corredeiras por entre pedras e curvas fechadas.
Em seu conto “Tlon, Uqbar, Orbis Tertius”, Jorge Luis Borges fala de um mundo imaginário onde os desejos tornam-se reais. A expectativa de encontrar um objeto faz com que esse objeto passe a existir. Uma pessoa, por exemplo, perde um lápis e começa a procurá-lo. Outra pessoa também fica à procura. A primeira acha o lápis, mas se esquece de avisar isto à segunda; esta continua procurando, e acaba por achar outro lápis, idêntico ao primeiro. Essa curiosa faculdade permite aos povos desse mundo a criação de uma arqueologia imaginária. Operários são convocados para fazer escavações num sítio “arqueológico”, para procurar uma máscara de ouro (inexistente) que é descrita em detalhes. Acabam por encontrar um certo número de máscaras, ligeiramente diferentes umas das outras de acordo com o maior ou menor grau de imaginação das pessoas que as encontraram. O mundo de Tlon é o mundo da criação artística, onde algo que não existia passa a existir apenas porque o procuramos.
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