O avestruz é um bicho injustiçado. Não admira que tenha uma aparência tão deplorável: é consequência de uma queda na auto-estima. Não venham me dizer que o problema é o pescoço, porque o da girafa é muito maior do que o dele. Só que o da girafa é proporcional, e chega a rimar visualmente com as longas pernas, rima esta reforçada pela bela malha de amarelo e negro que dá textura uniforme ao corpo inteiro da girafa. Já o avestruz, coitado, parece o resultado de um daqueles exercícios coletivos surrealistas, em que cada pessoa fazia um pedaço de um desenho, dobrava o papel, passava adiante; o desenho era continuado pelo próximo, sem nenhum deles saber o que o outro tinha desenhado. O resultado sempre saía parecido com um avestruz.
Diz-se que ele engole e digere qualquer coisa, especialmente relógios. Nunca entendi por que razão os relógios seriam menos digeríveis do que outros objetos, mas no universo dos quadrinhos e dos cartuns é sempre um relógio que vemos um avestruz engolir, quando o desenhista pretende ilustrar essa sua voracidade impune. Comparação que nunca é elogiosa. Nunca vemos alguém dizer: “Puxa, queria ter um estômago de avestruz, assim como você...” Não, é sempre o contrário: “Amigo, traga outro tiragosto... Esse aqui está intragável, você tá pensando que eu sou avestruz?”
Outra metáfora impiedosa é a que explora o propalado hábito do avestruz de esconder a cabeça na areia quando se sente em perigo. Enfiando a cabeça num buraco escuro, o avestruz julga que escondeu-se por completo. Reconheço que poucas imagens seriam mais adequadas do que esta para retratar comportamentos individuais e coletivos que vemos a torto e a direito; mas que parece uma marcação contra o pobre do avestruz, parece.
Quem é o avestruz, afinal? A resposta: a maior ave do mundo... e uma ave que não voa. Esta suprema ironia parece uma contradição, mas um instante depois percebemos que não, que é uma consequência inevitável. O avestruz não voa justamente por ser uma ave descomunal. A melhor carne da maioria das aves está no peito, onde ficam os músculos que movem as asas; a melhor carne do avestruz está nas pernas. Coitado.
Começo a achar que o avestruz é o Capitalismo. Em primeiro lugar, engole e digere tudo que aparece pela sua frente, e ninguém me tira do juízo que isto vai avariá-lo por dentro a longo prazo. Em segundo lugar, quanto mais cresce menos voa, quanto maior se torna mais perde a mobilidade. Em terceiro lugar, descobriu nas últimas décadas um excelente buraco onde esconder a cabeça: o mundo virtual das Bolsas eletrônicas. Inventando um dinheiro de mentira, ele esconde a cabeça no monitor virtual, onde os lucros se multiplicam por mágica, e deixa exposto lá fora o seu enorme corpo físico: a atividade produtiva. Um corpo sujeito ao terrorismo, à corrupção e à quebradeira econômica. O avestruz pode mandar no mundo hoje, mas amanhã não diga que eu não avisei.
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