sábado, 12 de abril de 2008

0368) Vai acabar em pizza (25.5.2004)



Imaginemos um país onde a pizza foi proibida. Autoridades sanitárias e policiais se reuniram e chegaram à conclusão de que pizza vicia, faz mal à saúde, incrementa o colesterol, etc. Ademais, as autoridades estão preocupadas com o crescimento irrefreável das pizzarias, envolvidas numa verdadeira guerra pela conquista de novos clientes. Medidas drásticas precisam ser tomadas. E a pizza é colocada fora da lei.

Parece um golpe de morte no comércio de pizza, mas, à medida que passam as semanas e os meses, o Governo começa a perceber uma coisa engraçada. Todo mundo continua comendo pizza. Os fornos das pizzarias trabalham a pleno vapor. Os motoboys da entrega continuam chispando rua-acima-rua-abaixo com suas caixas de papelão fumegantes, atendendo a uma demanda que não só não diminuiu, como não pára de aumentar. As autoridades, preocupadas, coçam a cabeça. Isso não estava nos planos. Imaginavam elas que, uma vez que o Decreto de Proibição da Pizza fosse publicado no “Diário Oficial”, esta enérgica medida iria virar o jogo. Os pizzaiolos de todo o país, amedrontados com uma atitude tão viril da parte das autoridades, abandonariam essa indústria-e-comércio que lhe rende bilhões, vestiriam seus pijaminhas de aposentados, e passariam a se dedicar ao dominó e à pesca de lambari.

Não é o que ocorre. O tráfico de pizza toma conta das cidades. As pizzarias cresceram muito, enricaram. São corporações financiadas por grandes grupos econômicos, e contam inclusive com uma boa representação parlamentar. É impossível fechá-las: iria mexer com interesses poderosos. Por outro lado, a população continua preocupada com o colesterol e tudo o mais. Pede providências. O que faz o Governo? Diz à polícia que prenda os motoboys. Cria-se assim, nesse país imaginário, a situação meio kafkeana da proibição de um gigantesco comércio de pizza que atende a dezenas de milhões de comedores de pizza, e onde os únicos perseguidos são os motoboys que fazem a entrega a domicílio.

Enquanto este absurdo fundamental não fôr corrigido, nada vai mudar. Quando existe demanda e existe oferta, é inútil tentar suprimir os canais intermediários. Se esse comércio específico incomoda por algum motivo o Estado, cabe ao Estado controlar e reduzir a Oferta, e controlar e reduzir a Demanda. Não se controla um comércio jogando-o na clandestinidade, mas trazendo-o à luz do dia, onde pode ser vigiado e publicamente discutido. Clandestinidade é um perigo, ainda mais num país com uma imensa população desqualificada e ociosa, uma polícia sub-paga e desaparelhada, uma justiça que quando não é sobrecarregada é morosa ou venal, e elites acostumadas a pensar que são donas do mundo. De nada adiantam os recordes nos índices de matança dos motoboys. Se não se mexer nas duas pontas do processo, daqui a pouco não se comerá naquele país outra coisa senão pizza.

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