(Moisés, por John Hembree)
Existe uma figura humana central, mais importante do que
todos. É o Herói, é o Rei, é o Sumo-Sacerdote, é o General-em-Chefe, é o C.E.O.,
é o Presidente, é o Imperador, é o Líder...
Temos mentalidade monarquista. Precisamos de UM indivíduo
onde focar nossas expectativas, nossa confiança, nossa obediência cega. E, quando ele não corresponde, nossas
expedições punitivas, com foices erguidas e archotes acesos.
Existem exemplos de líderes que se tornam arquétipos, alegorias
da experiência humana.
Por exemplo: Moisés. Poucas figuras terão uma história
pessoal tão cheia de episódios extraordinários, mas Moisés é sempre o símbolo
evocado quando a gente quer falar de um Líder que não vive para presenciar a
própria conquista. “Fulano de Tal foi uma espécie de Moisés, que conduziu o
povo hebreu à Terra Prometida, mas morreu quando ela estava à vista, lá no
horizonte...”
É o general ou presidente que morre antes do fim da
guerra que ajudou a ganhar, como Franklin Roosevelt. É o craque da seleção que
se machuca antes da decisão da Copa. É o líder oposicionista que segura o tombo
durante os anos negros e morre às vésperas da redemocratização. Os exemplos são
muitos e evocam uma imagem de tragédia por um lado (“Que pena! A pessoa que
mais merecia, e o Destino negou!...”) e por outra uma imagem de desprendimento
– como se ele soubesse desde o início que aquela conquista não era para ele, e
sim para uma coletividade.
Um exemplo diferente é o do Líder egoísta, que quer a
glória maior para si, porque afinal de contas ele é o Líder, e os seus vassalos
que se virem.
("Balboa Avista o Pacífico", por Tancredi Scarpelli)
A expedição de Vasco Nuñez de Balboa, atravessando
horizontalmente a América do Sul, foi a primeira a avistar o Oceano Pacífico
(eles tinham desembarcado, é claro, na
margem do Atlântico). Quando os índios
locais garantiram que daquele morro ali adiante se avistava o mar, Balboa
mandou que suas tropas se detivessem e escalou o morro sozinho – para ter a
glória de ter sido o primeiro a avistar o outro oceano.
Comentei aqui este tipo de Líder:
https://mundofantasmo.blogspot.com/2011/12/2742-epifania-do-lider-17122011.html
É o Líder que trabalha em função da sua própria imagem,
como o cantor popular que diz aos músicos: “Quem tem que aparecer aqui sou
eu!”.
(Ulisses e as sereias, por Robert Wallace)
Muito parecido com a lenda clássica de Ulisses e as
sereias. O canto das sereias tinha a fama de ser belíssimo – mas enlouquecedor.
Era como uma droga alucinógena: os marujos ficavam encantados com tanta beleza
e perdiam o controle dos remos, do leme, das velas, e os navios se despedaçavam
nos rochedos.
O que fez Ulisses? Chegando perto do local, mandou que
seus remadores tapassem os ouvidos com cera e o amarrassem ao mastro. Para que
todos continuassem surdos, obedientes, robotizados, tocando o barco para a
frente. E ele, somente ele, pudesse receber a carga psicodélica da música das
sereias.
É aquele líder que conhecemos tão bem, o líder muitas
vezes bonachão, paternal, que trata os súditos ou os eleitores como crianças,
crianças que não precisam saber de tudo, não precisam ser informadas sobre
tudo, para que possam apenas trabalhar, cumprir seu papel e serem felizes. Gente
simples, que não precisa "compartilhar as sofridas responsabilidades do Poder".
Exemplos não faltam, na história humana.
E um outro tipo pode ser comparado a estes todos. Michael
Dirda, em seu leve e informativo Classics
for Pleasure (Orlando: Harcourt, 2007), dedica um capítulo à obra de
Plutarco, o grande historiador e biógrafo de vultos gregos e romanos.
A certa altura, ele cita a referência de Plutarco ao rei espartano
Sous, que estava em combate contra os Clitorianos (sic):
E há também a história do rei Sous, que, cercado pelos clitorianos numa
área seca e pedregosa, sem acesso a água, foi forçado a negociar com eles um
acordo: devolveria a eles todas as terras que havia conquistado, sob a condição
de que ele e seus homens pudessem matar a sede na fonte mais próxima. Depois
dos juramentos e ratificações de praxe, ele reuniu seu soldados, e declarou que
se algum deles abrisse mão da água receberia seu reino como recompensa; e
quando nenhum deles foi capaz de aceitar, e depois que todos eles foram de um
em um matar a sede, Sous caminhou por último até a fonte, lavou o rosto sem
engolir uma só gota, diante da tropa inimiga, e recusou-se a entregar-lhes as
terras conquistadas, uma vez que, de acordo com os termos do acordo, “ele e
seus homens” não haviam matado a sede. (trad. BT)
Existem líderes e líderes.
Um comentário:
Armadilhas verbais são traição em atos e palavras...
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