sábado, 13 de maio de 2017

4234) Ser mãe (13.5.2017)



(Ela, "a Marquesa")

Ser mãe é ter na parede um quadro com a foto do Padre Cícero e enfiar na moldura, num ritual protetor, dezenas de retratos 3x4 de pessoas conhecidas, parentes ou não, crentes ou não.

Ser mãe é gostar de escutar Agostinho dos Santos, Capiba, Dalva de Oliveira, Nelson Gonçalves, Roberto Carlos, Gal Costa, Altemar Dutra.

Ser mãe é botar água-pra-café no fogo às duas da manhã.

Ser mãe é ler escondido as cartas que o filho recebe das namoradas e dias depois abordar um assunto qualquer como se aquilo tivesse caído do céu no seu colo.

Ser mãe é dizer pro malcriado: “Ah, tá prendendo o choro? Pois vai apanhar até chorar”, e dizer depois: “Agora vai apanhar até parar”.

Ser mãe é contar a história de quando era garota na fazenda, e a porteira do curral caiu por cima dela enterrando-a na lama, e as vacas passaram por cima, e quando arrancaram a porteira e a tiraram dali ela estava inteira e viva, mas passou uma semana tirando terra do caroço do olho.

Ser mãe é receber um poema pelo correio e responder em versos.

Ser mãe é gostar de ler romances de capa-e-espada de Michel Zevaco, e livros sobre discos voadores, os Exilados de Capela e a vida no planeta Marte.

Ser mãe é iniciar a noite com um olho na novela e outro na sopa no fogão.

Ser mãe é passar alguns anos da vida rodando de ônibus por cidades pequenas do Nordeste vendendo e doando botijões de uma infusão vegetal que é tiro-e-queda contra o câncer.

Ser mãe é perder uma hora antes de ir dormir amarrando um pano com Neocid no cabelo de um sujeito que se recusa a cortá-lo porque o cabelo faz parte da revolução mundial.

Ser mãe é ganhar de presente uma garrafa de Ballantine, agradecer, guardar no armário de bebidas, e ir lá dentro tomar uma dose de Natu Nobilis.

Ser mãe é repetir uma recomendação qualquer nunca menos de três ou quatro vezes, não importa quantas vezes o resignado interlocutor diga: “Sim, eu já sei”.

Ser mãe é saber preparar orelha-de-pau, doce de leite com cravo, imbuzada, gemada com farinha e açúcar, pão torrado com nata.

Ser mãe é ir pro Céu e não voltar pra puxar o pé do filho ateu durante o sono (conforme ameaçado), porque o bichinho está tão cansado, passou a noite escrevendo aquelas coisas que só ele entende.







Um comentário:

Unknown disse...

Essa Mãe aí também tive o prazer de conhecer! Saudades, D. Cleuza!