sábado, 27 de fevereiro de 2016

4062) A fala paraibana (28.2.2016)



(cartunage.blogspot.com.br)


Dias atrás postei aqui um artigo onde comentava algumas expressões que me pareciam totalmente campinenses ou paraibanas. Penso nelas assim porque foi em Campina que as ouvi pela primeira vez, e muito pouco em outros lugares. Muitos leitores, de outros Estados, demonstraram conhecê-las há muito tempo, tê-las como típicas de sua região de origem. Serão brasileiras por inteiro? Serão uma compreensível assimilação da fala nordestina, a região que mais exporta falantes para o resto do Brasil? Não dá pra saber, mas aqui vão outros exemplos do meu Dicionário da Fala Paraibana.

“Andar de urubu baleado”: Um andar oscilante, sestroso e artificial, com as pernas meio arqueadas, usados por "playboys" de subúrbio ou por malandros de zona. "De vez em quando a gente está por ali, tomando uma cervejinha, aí de repente chega Fulano, com aquele andar de urubu baleado, usando óculos escuros de noite e mastigando um palito."  Variante: “Andar de urubu cangueiro”.

“Dar ponto”: Aprovar. “Ih, rapaz, dei ponto a essa sua camisa! Muito bonita!”  “Dei ponto à atitude de Fulano, eu não esperava outra coisa dele”.  Também se usa, no sentido passivo, “ganhar” e “perder ponto”.  “Fulano ganhou ponto comigo depois daquele discurso que ele fez”.  “Tome cuidado, que toda vez que você faz uma besteira como essa você está perdendo ponto com a família de sua noiva.” Equivalentes: “Dar valor”, “Dar o maior valor”.

“Salvou-se uma alma!”: Exclamação irônica que se usa quando acontece um fato inusitado, geralmente uma boa ação praticada pela pessoa menos provável.  “Minha gente... Salvou-se uma alma! Olha Fulano pagando uma conta!”  A origem é a crença popular de que cada vez que alguém na Terra pratica uma ação nobre, uma alma do Purgatório recebe anistia e sobe ao Paraíso.

“Todo penso é torto”: Usa-se para bloquear a argumentação de alguém que começa dizendo "Eu pensei que..." ou "Eu penso que..."  “-- Eu pensei que era melhor a gente marcar uma reunião pra discutir o assunto.  -- Todo penso é torto! Daqui que a gente faça a reunião, a coisa já está fora de controle.”  "Penso" é uma contração irregular, equivalente a "pendido", cambaio, coisa que está em desnível, pendendo para um lado:  "Essa mesa ficou pensa, o sr. vai ter que diminuir um pouco os pés deste lado."   O sentido imediato da frase é: "Aquilo que é apenas pensado é imperfeito."

“Roer a corda”: O mesmo que “bater pino”, voltar atrás, desistir ou “furar” na hora H.  “Já estava tudo pronto pra gente viajar, mas na última hora Fulano roeu a corda e a gente ficou sem carro”.  Tem ligação com a imagem de um animal amarrado que rói a corda que o prende, e foge.






2 comentários:

Jorge Candeias disse...

Lamento contribuir para a desparaibação dos teus ditos paraibanos, mas devo informar-te de que tanto a expressão "salvou-se uma alma!" como "roer a corda" são expressões que se usam em... Portugal.

A primeira tem sofrido acentuada erosão nas últimas décadas, com a laicização de uma boa parcela da população a retirar relevância às almas e aos seus salvamentos, mas a segunda continua viva, pujante e resistente ao desgaste do tempo. Sinal provável de que continua a haver muita gente a roer a corda por aí.

Braulio Tavares disse...

Jorge Candeias, a Paraíba e seus arredores constituem um grande museu-a-céu-aberto de arcaísmos verbais. Que são, em sua quase totalidade, lusitanismos.