(Nelson Rodrigues)
Um espectro que nunca deixou de assombrar a crítica
literária brasileira foi: Por que motivo não existe entre nós uma grande
literatura de ficção (romances, contos) voltada para o futebol? Pode-se
argumentar que há bons livros sobre o tema (Macedo Miranda, Edilberto Coutinho,
etc.), mas é um “corpus” ainda desproporcional em relação à importância que o
futebol tem em nosso país. Num post de 2010 em seu blog TodoProsa, Sérgio
Rodrigues afirma: “Pois eu tenho uma pista. Nada de elitismo ou falência da
arte brasileira. Aposto que o Grande Romance do Futebol Brasileiro está
escondido no mesmo limbo em que dormem seus irmãos, os embriões eternos do
Grande Romance do Basquete Americano, do Grande Romance da Fórmula 1 Italiana,
do Grande Romance do Pingue-Pongue Chinês e do Grande Romance do Curling
Escocês”.
Ou seja: é uma falácia esse raciocínio de que se um país é
bom num esporte ele deveria ter uma literatura florescente voltada para esse
esporte. Não é uma relação assim tão mecânica. No Brasil, o que temos de alto
nível é a crônica futebolística, o que me parece lógico. Temos clubes de
verdade, craques de verdade, espetáculos épicos de verdade. Quem gosta de
futebol, gosta da adrenalina produzida pela disputa esportiva de verdade, entre
grandes times. (Ou entre times pequenos, desde que o contexto emocional ou
social dê a esse confronto uma dimensão épica qualquer.) E o que cresceu aqui
no Brasil foi a literatura de não-ficção em torno desse universo real. Da
crônica, que vem desde os irmãos Mário Filho e Nelson Rodrigues até os
cronistas mais recentes, não temos do que nos queixar. Nossa crônica tem um
alto nível literário.
O problema do romance e do conto talvez seja o mesmo do
cinema. Ninguém gosta de ver num filme um jogo de futebol inventado, encenado
por atores. A falsidade é evidente. Ninguém se emociona, mesmo quando um
atacante dribla cinco e entra com bola e tudo. Qualquer espectador sabe que a
jogada foi escrita, ensaiada e dirigida para acontecer daquele jeito, então
qual é o mérito? O mérito do futebol é ser imprevisível, improvisado, sujeito a
reviravoltas que não são determinadas por uma equipe roteirizadora. Numa
história de ficção é dificílimo transmitir essa impressão de imprevisibilidade,
de chances totalmente abertas. O futebol é familiar demais aos torcedores para
que um jogo claramente escrito e coreografado possa se fazer passar pela coisa
de verdade. Até um VT de quaisquer dois times pelos quais o espectador não
torce é melhor, porque sabemos que, no momento da gravação, tudo aquilo estava
acontecendo de verdade, tudo podia acontecer, e essa é a emoção principal do
esporte.
Um comentário:
vale lembrar que há dentre outras modalidades artísticas o documentário dos que se destacaram na várzea, o ensaio filosófico escrito por jornalistas e acadêmicos, muitos outros gêneros que se dedicaram ao esporte inglês, bem como a letra de canção popular, subgênero da poesia tão bem sucedido que é impossível renegá-lo ao banco dos reservas. Para não ficar dúvidas, cito o samba do Chico Buarque, o Futebol: [...] parábola do homem comum/ roçando o céu,/ um/ senhor chapéu/ para delírio das gerais/ no Coliseu/ mas/ que rei sou eu? [...].
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