sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

3116) Antídoto contra o tédio (22.2.2013)




Os irmãos Augusto e Haroldo de Campos, criadores do Concretismo paulistano com Décio Pignatari, costumavam mencionar em seus livros o mistério que cercava uma palavra do antigo idioma provençal. Era a palavra “noigandres”, que nenhum linguista conseguia entender o que era. 

Virou um pequeno enigma, tão fascinante que foi a palavra escolhida para dar nome à revista literária que os concretistas começaram a publicar em São Paulo em 1952. (E eu a citei ao chamar de “Campinoigandres” a cidade imaginária onde ocorrem alguns dos meus contos e meu romance A Máquina Voadora).

Quem quiser saber a história detalhada, leia aqui o ótimo artigo de Antonio Risério (http://bit.ly/YwwnlS); basta dizer que o provençalista Emil Lévy pesquisou a palavra e concluiu que seria uma forma abreviada de “d’enoi gandres”, onde “enoi” é uma forma aparentada ao termo francês “ennui”, tédio; e “gandres” viria de “gandir”, proteger. 

A expressão significaria, portanto, algo que protege contra o tédio. Um antídoto contra o tédio – para ser fiel ao amor concretista pelas assonâncias. E, por uma casualidade serendipícia, é uma boa descrição para a injeção de novidade e estranheza que o Concretismo aplicou em nossa poesia, em nossa crítica literária.

Isto sempre me trouxe à mente a famosa frase de Maiakóvski, que dizia: “É melhor morrer de vodka do que de tédio”. Melhor naufragar na tormenta do que apodrecer na calmaria. Maiakóvski, o futurista “de estatura quilométrica”, com sua camisa amarelo-berrante, dizendo: “A anatomia ficou maluca comigo: sou coração dos pés à cabeça”. 


E me lembra também o conto de Ray Bradbury, no livro homônimo, A Medicine for Melancholy (1959). É a história de uma linda mocinha londrina do século 18, que está definhando de fraqueza e nostalgia. A família coloca sua cama na calçada, em frente à casa, para pedir opiniões aos transeuntes. Um jovem lixeiro aconselha que ela passe a noite ali fora, porque a melancolia que ela sente só pode ser curada por um remédio: a lua. Seguem seu conselho, e durante a noite quem aparece não é a lua, é o próprio lixeiro, agora limpo e cheiroso, que se enfia entre os lençóis da moça e a cura da melancolia com o mais antigo dos remédios.

E não acho que exagero quando vejo na letra de Cazuza em “Todo Amor que Houver Nessa Vida” um pouco disso tudo: “Transformar o tédio em melodia... algum veneno antimonotonia... algum remédio que me dê alegria...”. 

Tudo que as pessoas buscam na vodka, na droga, no amor, na música, na poesia. A novidade, a estranheza, a intensidade, o furacão, a tempestade, a alucinação dos sentidos, a eletricidade na medula, o antídoto contra o tédio: noigandres.





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