quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

2439) "O Ulisses alemão" (29.12.2010)



Berlin Alexanderplatz (1929), de Alfred Doblin, o romance escolhido pelo escritor Joshua Cohen para ser o equivalente alemão do Ulisses de Joyce, tem seu nome mais conhecido, hoje, por causa do filme dirigido em 1980 por R. W. Fassbinder, um épico com 14 horas de duração feito para a TV mas também exibido em alguns cinemas. A TV Educativa (RJ) o exibiu em fins de semana consecutivos anos na década de 1980, quando tive a chance de ver um ou dois episódios. Sobre o romance de Doblin, Cohen faz este comentário: “Uma narrativa épica e infatigável sobre o ‘demimonde’ berlinense. Recheado de assassinatos, prostitutas, e o assassinato de uma prostituta. Franz Biberkopf, um sujeito de pouca inteligência, é libertado da cadeia para viver na prisão maior que é a República de Weimar. Doblin foi jornalista, psiquiatra e veterano da I Guerra Mundial. Ele germanizou o olho e o ouvido panorâmicos que James Joyce tinha para captar a gíria das ruas, e ao fazê-lo criou um das melhores romances de decadência do seu século”.

Doblin foi uma figura curiosa nas letras alemãs, porque a sua primeira obra de peso foi um romance ambientado na China do século 18, Os Três Saltos de Wang Lun (1915). Em seguida ele se juntou ao grupo expressionista que agia em torno da revista Der Sturm, onde publicou numerosas histórias, mas logo afastou-se deles para seguir uma linha literária mais personalista, da qual Berlin Alexanderplatz é o melhor exemplo. O nazismo o forçou a emigrar da Alemanha para a França em 1936, e nesse período ele publicou sua trilogia amazônica, ambientada na América do Sul: A Terra sem Morte, O Tigre Azul e A Nova Jângal. Com a invasão nazista ficou algum tempo num campo de refugiados na França, até emigrar para os Estados Unidos, de onde voltaria para a Europa após o fim da guerra.

Numa antologia do conto expressionista alemão, Malcolm Green comenta: “A vida de Doblin exibiu um movimento pendular entre polos opostos: quando jovem psiquiatra, ele aspirava à sobriedade e à razão, mas apanhado pelo caos da vida começou a desenvolver um ponto de vista anti-racionalista. O socialista e ‘grande inquisidor do ateísmo’ dos anos 1920 sucumbiu a um misticismo natural que conduziu a sua conversão ao catolicismo quando no exílio, em 1941”. Seu grande épico berlinense é, de suas obras, a mais conhecida, e talvez a que melhor exprime o país em que nasceu.

Berlim é decerto uma das cidades-entroncamento da história européia no século 20. Mesmo antes de se transformar no símbolo da Guerra Fria após a II Guerra Mundial, a cidade foi nos anos 1920 um bazar de decadência social, caos econômico, criatividade artística e fervura política. O movimento Expressionista, por um lado, no cinema e na literatura, produziu obras notáveis. Por outro lado, o teatro e a poesia de Brecht foram pontos altos da arte política do século passado. Há sem dúvida material para um grande romance na medula desse momento histórico.

3 comentários:

ode aos deuses disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Dorva disse...
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Dorva disse...

O Dyonélio Machado não era chegado a ninharias. Entre os escritores gaúchos, era tão grande quanto o Erico Verissimo, senão maior. E se o Erico escreveu sobre o gaúcho a cavalo, o rico estancieiro, e o Cyro Martins sobre o gaúcho a pé, o peão da estância, o Dyonélio escreveu sobre o gaúcho urbano, igualmente explorado, vítima das circunstâncias da vida. Os Ratos é um grande livro, mas O Louco do Cati, maravilhoso road book, e sua continuação, o kafkiano Desolação, deveriam ser lidos por todos e reverenciados como obras-primas da literatura brasileira.