sexta-feira, 12 de novembro de 2010
2399) Novas formas de arte (12.11.2010)
(Buster Keaton, em Film)
Muitos admiradores das artes plásticas se escandalizaram quando, no fim do século 19, alguns artistas pararam de pintar, empunharam tesouras e potes de cola, e passaram a recortar e pregar pedaços de imagens em cima de uma tela.
A colagem se impôs como método artístico graças, em grande parte, a gente como Picasso, Braque, Max Ernst.
De certa forma, isso incutiu na cabeça do público uma coisa: para você criar uma obra de arte, você não precisa criar do zero tudo de que ela é feita. Os pedaços podem ser pedaços de algo que já existia. Se eles forem bem escolhidos, bem recortados e bem combinados, o resultado pode ser uma obra nova, original.
O método migrou para outras linguagens. No cinema, uma experiência curiosa é juntar um áudio e um conjunto de imagens que, em princípio, não têm a menor relação. Alguns cineastas começaram a pegar músicas e recriá-las na tela, com certa liberdade.
Quando Walt Disney fez Fantasia, muitos críticos ficaram horrorizados com seus dinossauros ilustrando a Sagração da Primavera de Stravinsky ou com Mickey Mouse ilustrando o Aprendiz de Feiticeiro de Paul Dukas.
Depois, vieram cineastas como Ken Russell, que fez verdadeiras viagens psicodélicas para ilustrar a música de Tchaikovsky (Delírio de Amor, 1970), The Who (Tommy, 1975), Franz Lizst (Lizstomania, 1975) e outros.
A influência de Russell sobre a estética dos videoclips na década seguinte não pode ser subestimada. Ele provou, com uma insistência algo incômoda, que com uma boa edição qualquer imagem parece ter sido feita para aquela música, por mais surrealista ou aleatória que seja.
Mas isso ainda era uma imagem feita a partir da música, sincronizada à música. Com a facilidade da edição e reprodução digital, a coisa está ficando mais divertida. O pessoal está juntando imagem e som que já existem independentemente, e não feitos um em função do outro.
Vi um filminho que consiste na junção de duas obras disparatadas. A primeira é um curta escrito por Samuel Beckett e dirigido por Alan Schneider, em preto e branco, intitulado Film. É um filme mudo em que Buster Keaton caminha por lugares estranhos e participa de cenas ainda mais estranhas; o clima lembra um pouco o Eraserhead de David Lynch.
Pois bem, no YouTube foi postada uma versão do filme (que é mudo) acompanhada pela canção do Massive Attack, “Man next door”. São duas obras totalmente independentes; imagino que a música (que é de 1998) não tenha sido inspirada em Beckett.
A união desse filme mudo e dessa canção “trip hop”, no entanto, resulta numa obra híbrida e perturbadora. (Ver aqui: http://tinyurl.com/24ttla6). Toda imagem pode ser qualitativamente modificada pela presença de diferentes trilhas sonoras, gerando diferentes resultados. O YouTube e outros saites fervilham de experiências desse tipo. A junção de clássicos do som e clássicos da imagem é uma área em que as possibilidades, como sempre, são infinitas.
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2 comentários:
Legal. A junção mais famosa é do disco Dark Side of the Moon, do Pink Floyd, com o filme O Mágico de Oz. Também tem uns trechos no youtube. Algumas coincidências entre o filme e as músicas do disco são curiosíssimas.
Um clipe que sempre me impressionou pela associação entre as imagens e a letra da música é Jokerman de Bob Dylan, que também pode ser visto no Youtube. Dê uma olhada, acho que é um dos videoclipes mais bonitos de todos os tempos.
Abraço,
Pedro
Jokerman, ao que se diz, foi roteirizado pelo proprio Dylan (ele escolheu as imagens, ou pelo menos colaborou). Mas a verdade é que a nossa mente tende a achar harmonia entre coisas díspares. É o "efeito Kulechov" (procure aqui no blog). Justaponha uma imagem qualquer e uma trilha qualquer e muitas vezes conseguiremos achar harmonia entre elas.
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