quinta-feira, 11 de novembro de 2010

2398) Drummond: Rio e Bahia (11.11.2010)



A “Lanterna Mágica” que Carlos Drummond inseriu no seu primeiro livro, Alguma Poesia, que está completando 80 anos, mostra pequenos flashes de cidades por onde o poeta passou, a maioria delas em Minas. Os dois últimos fragmentos, no entanto, são sobre o Rio e a Bahia. No fragmento VII, “Rio de Janeiro”, vemos algo das primeiras impressões do poeta sobre a então Capital Federal. Desde 1922 Drummond já publicava em periódicos cariocas, através de Álvaro Moreyra, mas não tenho ideia de quando viajou ao Rio pela primeira vez. (Ele só se transferiria para lá em definitivo em 1934, para ser chefe de gabinete de Gustavo Capanema, nomeado Ministro da Educação e Saúde Pública).

No poema, existe algo do “Noturno” que Mário de Andrade dedicou a BH, e que começava com “Maravilha de milhares de brilhos vidrilhos...” Drummond abre com “Fios nervos riscos faíscas”, também uma aliteração de sons reproduzindo uma multiplicação de impressões sensoriais. O linguajar com que ele entrou em contato em terras cariocas parece estar sendo registrado em “Passou a boa! Peço a palavra!”. Drummond, ao seu modo ensimesmado e reticente, registra em voz baixa as impressões sobre a capital: “Fútil nas sorveterias. / Pedante nas livrarias / Nas praias nu nu nu nu nu. / Tu tu tu tu tu no meu coração.” Este último verso é o elástico sentimental puxando o poeta de volta, não se sabe se o “tu” se refere à esposa (Drummond casou com Dolores em 1925) ou à terra natal.

“Mas tantos assassinatos, meu Deus. / E tantos adultérios também. / E tantos, tantíssimos contos-do-vigário... / (Este povo quer me passar a perna)”. Não devemos esquecer que Drummond é contemporâneo da lenda urbana sobre o mineiro que, chegando ao Rio, ficou tão deslumbrado com os bondes que acabou comprando um deles a um sujeito que estava encostado num poste, palitando os dentes. A estranheza dos recém-chegados ao Rio quanto aos assassinatos, adultérios e contos-do-vigário (para não falar na onipresente nudez) não é menor hoje do que oitenta anos atrás. A rigor, mesmo tornando-se intensamente integrado à vida carioca no meio século que se seguiu, Drummond nunca deixou de ser o rapaz que escreveu estes versos.

O último fragmento da “Lanterna Mágica”, o de número VIII, intitula-se “Bahia”, e diz, singelamente, modernistamente: “É preciso fazer um poema sobre a Bahia... / Mas eu nunca fui lá.” Drummond era meio eremita, e convictamente sedentário. Viajou pouquíssimo. Sou tentado a ver nessa Bahia mitológica (pensem no que seria a imagem nacional da Bahia em 1930) uma espécie de Pasárgada de Manuel Bandeira, ou o país de “luxo, calma e volúpia” de Baudelaire. Uma Bahia tropical, de praias cheias de morenas sensuais? Também poderia ser o oposto: uma Bahia colonial e barroca, parecida com Minas, uma Bahia de catedrais, santos e claustros, de ruas antigas, estreitas e tortas, uma nova Minas austera e litúrgica, em que o poeta se sentisse em casa. Nunca saberemos.

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