segunda-feira, 12 de julho de 2010

2258) O conceito de número (3.6.2010)



(Paul Klee, Runner at the Goal, 1921)

Diz uma piada que um garoto muito burrinho, no primeiro dia de aula, estava dando trabalho à professora de Matemática. Ela lhe pedia para responder cálculos básicos de tabuada, tipo 2x5 ou 10 dividido por 2, e ele não conseguia. Ela perguntou quanto era 2 mais 2... e ele nada. Em desespero, ela disse: “Tá bom, meu filho. Basta responder: quanto é um mais um?” E o garoto: “Quanto é um?”. Eu sou da teoria de que toda piada é uma cápsula filosófica de alto nível (creio que Raymond Roussel, Lewis Carroll, Sigmund Freud e Woody Allen concordariam comigo). Esta aqui, por exemplo, é a base de todo pensamento científico. Descendo ao básico do básico, você só consegue saber quanto é um mais um se tiver uma idéia do que é um.

E não para por aí. Os historiadores da Matemática reconhecem que devem ter se passado milênios até que o líder de alguma cultura começou a pôr ordem na bagunça, chamou os representantes dos clãs para uma reunião à beira da fogueira e disse: “Olha, pessoal, a gente precisa se entender melhor. Pertencemos a uma cultura milenar, somos descendentes do Povo que Descobriu o Um. Mas esse conhecimento está se revelando insuficiente. Por exemplo, eu, Gug, tenho um-um-um filhos e por mim estou satisfeito. Mas meu irmão Wog tem um-um-um-um-um-um-um filhos e acha um saco ficar contando-os, além do mais sendo gago, o que já o fez suspeitar da fidelidade da esposa. Eu sugiro que a gente comece a sofisticar esse conceito”. Um jovem da tribo levantou a mão e sugeriu: “Podíamos dizer que o Um de quem tem mais vacas vale mais do que o Um de quem tem menos, que tal? Matemática Ponderada seria um bom rótulo.”

Gug discordou com veemência. “Eu trouxe aqui uma moção,” disse ele, puxando de baixo da pele de mamute algumas folhas rabiscadas (folhas de bananeira), “e meu assessor aritmético sugeriu um novo conceito, chamado Dois”. Murmúrio de espanto. “É uma divindade?”, perguntou alguém. “Não, é um novo número, vem depois de Um, e na verdade seria o seguinte: todas vez que tivermos um-um diremos Dois”. O grupinho oposicionista sentado do lado esquerdo começou a motejar: “É sempre assim, quando se tem um problema, troca-se o nome do problema e chama-se isso de Solução”. Gug bateu com força com o cajado no chão: “Calem a boca se não deserdo todos três. O Dois é um conceito revolucionário. Um dia e um dia são dois dias. Um braço e um braço são dois braços. Uma vaca e uma vaca são duas vacas...” Alguém o interrompeu: “Eu me recuso a contar os meus braços com o mesmo número com que conto as vacas, sou de uma família importante e acho isso um desaforo”. E instaurou-se a balbúrdia.

Gug abanou a cabeça, desalentado. Como nos custa deixar a pré-história, pensou ele. Já pensou o dia em que tivermos um nome-de-número para exprimir qualquer quantidade, inclusive a de cabelos na cabeça e a de folhas de grama na campina? Seremos iguais aos deuses. O problema é só fazê-los aceitar o Dois. O resto é mera consequência.

2 comentários:

Ricardo Goldbach disse...

Há aqui, de quebra, uma prova de que a Necessidade é a mãe da Invenção. Enquanto Gug debatia com a oposição, argumentando a favor do inédito Dois, ameaçou deserdar "todos três", como que antevendo a necessidade de seguir além - uma cápsula no interior de outra.
Aquele abraço.

Braulio Tavares disse...

Por isso é sempre bom falar sem pensar. Quando pensa estraga tudo.