quinta-feira, 24 de junho de 2010

2181) José Mindlin (5.3.2010)



Faleceu dias atrás um dos maiores bibliófilos brasileiros, o industrial José Mindlin. Tinha uma das maiores bibliotecas particulares do Brasil, e há alguns anos, depois que completou os 80, doou grande parte dela à USP. Mindlin era um desses colecionadores que buscam o livro raro, o livro único, o livro que tem importância não só pelo seu texto ou sua edição, mas pelas peripécias que cercam sua existência. Seu livro de memórias Uma Vida Entre Livros (Edusp/Companhia das Letras, 1997) é uma jóia para se reler e folhear, contendo dezenas de reproduções de capas, folhas de rosto, dedicatórias, autógrafos, manuscritos, documentos, mapas... Além de fotos de estantes cheias de livros, que para mim estão entre as imagens mais bonitas que existem (cada lombada de um livro na estante é um portal para outros mundos). E de um relato franco, divertido, inteligente, do que é conviver a vida inteira com os livros e seus autores.

Mindlin era uma dessas pessoas de quem todo mundo gosta. Vários amigos meus visitaram sua casa-biblioteca em São Paulo, e falam do jeito afável com que ele acolhia qualquer amante de livros que o visitava. Não o conheci pessoalmente, embora tenhamos trocados alguns emails anos atrás, em função de um artigo que publiquei num jornal de São Paulo, e que lhe agradou. Eu sempre pensava em marcar um dia e aparecer lá, para dois dedos de prosa e para entrar na biblioteca, mas nunca o fiz. Tive medo de, tomado por um impulso, puxar duma arma, sequestrar Mindlin e sua esposa D. Guita, barricar por dentro as portas e janelas, entrincheirar-me e negociar resgates absurdos com a Polícia, quando o que queria mesmo era alojar-me ali para sempre e desfrutar dos livros. O Destino e minha indolência nos pouparam desta cena tarantinesca.

Mindlin afirmava reiteradamente que nunca foi apenas um cara que compra livros raros, mas um cara que gostava de ler, e que sempre achou tempo para ler no meio de seus afazeres (foi um dos sócios da indústria Metal Leve, foi Secretário de Cultura de São Paulo, teve cargos na Fiesp, na Fundação Getúlio Vargas, etc etc). Nada é desculpa para não ler, e mesmo o mais atarefado dos executivos pode separar uma hora por dia para a leitura calma e atenta – basta gostar, basta querer. Diz ele: “Não importa o que se leia de início, porque, uma vez criado o gosto, ele se refina. (...) O principal desses obstáculos é o tempo. Por mais que se leia, não se consegue ler tudo o que se deseja, e, por isso mesmo, a seletividade se impõe. Mas cada um deve fazer sua própria escolha, ou, mesmo que siga alguma das numerosas listas de livros tidos como os mais importantes, ninguém deve se ater a critérios rígidos, nem se considerar culpado de grandes pecados por ocasionais desvios, passando de Machado de Assis a Asterix, ou de Shakespeare a Agatha Christie: é bem possível que Machado e Shakespeare tenham lido os Asterix ou Agatha Christies de seu tempo, que aliás têm também boas qualidades”.

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