terça-feira, 6 de abril de 2010
1871) Memórias de um datilógrafo (8.3.2009)
(máquina Olivetti, o melhor modelo)
O primeiro prazer era o de retirar a capa de plástico que a protegia da poeira.
Erguida a capa, elevava-se dali um cheiro de óleo, de tinta, de metal em repouso. Um cheiro que ao longo dos anos aprendíamos a associar ao ato da criação.
Depois, escolher uma folha em branco, ajustá-la no rolo, erguer a guia metálica, passar a folha por baixo, alinhar as bordas, baixar a guia. Do lado esquerdo, colocar na ranhura correta a hastezinha metálica que indicava espaço 1, espaço 2, etc. O espaço 1, mais apertado, eu usava, para economizar papel, ao escrever para mim mesmo. O espaço 2 era o espaço oficial, o de “escrever para os outros”. O espaço 4, maior de todos, me dava um esquisito prazer na infância, de ficar acionando vezes e mais vezes a alavanca, que fazia girar “bem muito” o cilindro. Dava uma sensação de potência.
Também era possível liberar o cilindro da tirania das engrenagens dentadas que dividiam o espaçamento em números. Basta colocar a alavanca no ponto zero, ou então liberar um botão situado numa das rodas pelas quais segurávamos o cilindro. Então este girava macio, solto, fluido como uma onda, indivisível em “quanta” de espaço.
E mais ainda quando liberávamos as aletas de prender o papel; este ficava frouxo, ajustável, desajustável, numa liberdade condicional completa. Um bom passatempo era passar a tarde usando pontos ou traços para formar desenhozinhos toscos, cujo destino final era o lixo e a desmemória.
A fita era rubronegra, preta em cima, vermelha em baixo. Quando usada em vermelho, o suportezinho metálico erguia-se demasiado (isso me incomodava um pouco) para que a tecla percutisse a parte inferior da fita. (Quando eu ia bater um texto todo em vermelho, invertia o rolo de fita para que isso não acontecesse o tempo todo.)
Trocar a fita era uma operação que implicava em rodar toda a fita usada para um lado, retirar aquele carretel, colocar ali o carretel novo, puxar uns 20 ou 30cm de fita, passando-a através das ranhuras do suporte, e prender a ponta no carretel oposto. Era preciso ter cuidado para que o pequeno ilhó próximo à ponta ficasse entre o rolo e uma hastezinha vertical, fendida, para que quando a fita fosse chegando ao final o ilhó ficasse preso a essa haste e a puxasse na direção oposta. Isto fazia o mecanismo girador de fita se inverter automaticamente.
Trocada a fita, hora de limpar os tipos. A percussão contínua na fita de algodão, úmida de tinta, ia enchendo de resíduos as cavidades dos martelinhos. Letras como a, e, o, u, b, d, qualquer letra que tivesse um espaço fechado acabava se transformando num borrão. Era preciso ir de letra em letra com um alfinete, com cuidados de dentista, removendo os detritos.
Depois, um algodão embebido em álcool, friccionando cada martelinho até deixá-lo limpo, reluzente.
Depois... Lavar as mãos. Recolocar a tampa do teclado. Apoiar os dedos nas teclas. Começar a viver.
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Um comentário:
Auxiliar de escritório dos 15 aos 18 anos, 2ª metade da década 1950, vivi tudo isso que você descreveu com tanta precisão e carinho!
Para limpar tipos, tínhamos também uma espécie de borracha maleável que "chupava" a sujeira.
💐💐
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