terça-feira, 6 de abril de 2010
1874) O rosto de baixo (12.3.2009)
(Oscar Wilde)
Diz um velho ditado que se quiser conhecer bem uma pessoa, dê-lhe poder. Dê-lhe um poder muito maior do que ela já conheceu na vida.
Pode ser poder econômico ou político, para que ela possa influenciar a vida de milhares de pessoas; pode ser poder emocional ou psicológico sobre um grupo restrito ou às vezes sobre uma pessoa só.
Veja como o “poderoso” agora se comporta, porque é tiro e queda. Ele vai mostrar algo de si que ninguém conhecia antes, e ele menos que todos.
A leitura mais imediata disto é que o sujeito que recebe alguma forma de Poder tende a superestimá-lo, e achar que por causa daquilo está acima dos julgamentos alheios, acima do Bem e do Mal, como se diz. Mas não é só isso.
É que o Poder na verdade é um Papel que recebemos e que devemos interpretar da melhor maneira possível. Um papel diferente do que tínhamos até então.
O sujeito é sociólogo, vira Presidente da República, vai ter que trocar de papel. O sujeito é escritor, vira diretor de jornal, vai ter que trocar de papel. O sujeito é ator, vira administrador de um teatro, vai ter que mudar de papel.
Oscar Wilde, que entendia de fingimentos e personagens, disse:
Um homem é muito pouco ele mesmo quando fala em seu próprio nome. Dêem-lhe uma máscara, e ele lhes dirá a verdade.
Eu leio esta frase da seguinte forma: o que uma pessoa diz é verdade, mas é uma verdade oficial, já sancionada pelo consciente e pelo superego.
O Papa só diz aquilo que o Papa pode dizer; Seu Manezim da bodega também só diz coisas que não abalem a reputação de Seu Manezim da bodega. Se ambos forem projetados num contexto em que estão liberados para não serem eles mesmos, é bem possível que digam verdades interessantes.
Essas verdades interessantes são coisas que estão apenas no limiar da consciência de cada um. Fazem parte dele, mas estão, por assim dizer, numa perpétua lista de espera, porque não são convocadas para aparecer – só são convocadas as verdades que fazem parte da tal “versão oficial”, da persona pública, do personagem que Fulano e Sicrano se vêem na obrigação voluntária de representar a partir do instante em que abrem os olhos de manhã.
Para algumas pessoas, na juventude, o teatro proporciona isso – a possibilidade de vestir roupas absurdas, fingir que são alguém, dizer o que não se diz, fazer o que não se faz.
Exercícios de improvisação trazem à tona não propriamente essas verdades que Wilde sugere, mas um tumulto de vontades, de fantasias, de imaginações reprimidas. A mente consciente é que é a máscara, o texto decorado e bem ensaiado, a “versão oficial” de nós mesmos.
Se nos dão a máscara de (e com ela a obrigação de ser por alguns instantes) alguém que não somos, o que ocorre? Somos obrigados a improvisar, a tirar atitudes da memória e da imaginação. Isso, na pressão emocional de ter-que-dizer-algo, desencadeia um processo de livre associação, faz emergir o inconsciente, o rosto mais profundo.
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