quarta-feira, 31 de março de 2010
1850) Piadas metafísicas (12.2.2009)
Um grupo de cariocas e um grupo de paulistas embarcaram num trem para participar de um evento. Todos os paulistas compraram bilhetes, e observaram que apenas um dos cariocas fez o mesmo.
Quando alguém avisou que o condutor estava se aproximando, os cariocas correram para o banheiro e trancaram-se lá. O condutor viu a porta fechada e bateu: “Bilhete, por favor!” O bilhete foi enfiado por baixo da porta, o condutor o perfurou, devolveu e seguiu em frente.
Na viagem de volta, os paulistas decidiram comprar apenas um bilhete e fazer o mesmo. Mas aí perceberam que os cariocas não compraram nenhum! De qualquer modo, quando alguém avisou que o condutor estava vindo, os dois grupos correram para os dois banheiros, que ficavam lado a lado.
Depois que os paulistas se trancaram num deles, um carioca bateu na porta e disse: “Bilhete, por favor!” O bilhete foi enfiado por baixo da porta, ele o levou para o outro banheiro e o apresentou quando o condutor pediu.
Boa piada, não é mesmo? Eu a recolhi num saite onde os dois grupos eram compostos por matemáticos e engenheiros. Como todo mundo sabe, os matemáticos são uns sujeitos ingênuos, abstraídos, incapazes de tomar providências práticas, enquanto os engenheiros são hábeis, pragmáticos, cheios de expedientes.
A piada acima exprime muito bem o modo como os dois grupos se vêem – ou talvez como os engenheiros vêem os dois grupos.
Mudar para cariocas e paulistas deixa a mecânica da piada intacta, porque a estamos transpondo para um conjunto de preconceitos que não altera o funcionamento da anedota.
Não é que os paulistas sejam “ingênuos, abstraídos, incapazes de tomar providências práticas”, e que os cariocas sejam “hábeis, pragmáticos, cheios de expedientes”. Estas descrições não correspondem ao clichê habitual de cada tipo. Mas a piada funciona porque tendemos a achar (mesmo que não seja verdade) que os cariocas são espertalhões, trambiqueiros, especialistas em pequenos golpes deste tipo; e que os paulistas são bitolados, sem imaginação, sem jogo de cintura.
As piadas sobre grupos étnicos, sobre categorias profissionais, etc. se baseiam sempre em noções pré-concebidas sobre esses grupos, noções que são tomadas como uma premissa implícita, e que precisam ser reafirmadas pela anedota. “Estavam num avião um japonês, um alemão, um francês e um brasileiro...”
É com clichês que estamos lidando, e o que esperamos (para produzir o riso) é a obediência ao clichê, ao preconceito.
Se essa piada do trem fosse atribuída, por exemplo, a um grupo de brasileiros e de portugueses, todo mundo também acharia graça. Mas se o fosse a um grupo de tipógrafos e um grupo de tintureiros, a esperteza do golpe seria percebida, mas o ouvinte se sentiria na obrigação de perguntar: “Mas... por que logo os tipógrafos? Por que os tintureiros?”
Pré-conceito é qualquer característica atribuída a um grupo que será sempre tomada como axioma sempre que esse grupo for invocado. Mesmo que não seja verdadeira.
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