sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
1644) A voz de Deus (19.6.2008)
Numa história indiana, dois vizinhos discutiam por um lote de frutas. A árvore ficava no terreno de um deles, mas seus ramos se projetavam por cima da cerca, de modo que as frutas caíam no terreno ao lado. O primeiro alegava ser dono do lugar de onde vinham as frutas; o outro alegava ser dono do lugar onde elas brotavam e caíam.
O juiz lhes perguntou: “Querem uma decisão tomada pelos homens, ou por Deus?” Os dois concordaram que a decisão de Deus teria mais credibilidade. O juiz então dividiu as frutas em dois lotes, tendo num deles apenas uma, e no outro todo o restante.
E sorteou os lotes entre os dois vizinhos.
Este episódio é um entre milhares em que um tribunal humano confessa sua dificuldade em tomar uma decisão justa, e recorre a um sorteio.
O sorteio surge da noção de que no mundo não existe o Acaso, pois mesmo os acontecimentos mais banais são determinados pela vontade de Deus. O que chamamos de Sorte ou Azar pode nos parecer inexplicável, mas faz parte dos planos divinos. Foi uma decisão dele.
Não adianta discutir os méritos do resultado, pois, como todas as religiões repisam desde que o mundo é mundo, “os desígnios de Deus são inescrutáveis”.
Talvez por isto os jogos de azar nos despertem uma fascinação tão grande. O baralho, a roleta, o bingo, o bicho, a loteria, tudo isto são cerimônias que concebemos para, lidando com um conjunto nítido e finito de elementos, podermos ficar sabendo com certeza absoluta o que foi que Deus quis que acontecesse, mesmo que jamais percebamos o porquê.
A coisa se complica quando chega no universo tribunalício. Li em num conto de Mark Twain que os esquimós tinham uma maneira prática de saber se um sujeito era culpado ou inocente do crime que lhe atribuíam. Levavam-no para um rio de águas revoltas, e atiravam-no lá de cima. Se ele sobrevivesse, era culpado; se morresse, era inocente.
Há um vislumbrezinho de lógica nesse sistema – se o sujeito escapava era porque era esperto, e todo sujeito esperto está a um passo de ser desonesto, ou seja, esperto às custas dos outros. Mas convenhamos que para um indivíduo inocente era um tribunal do tipo “cara eu ganho, coroa você perde”.
Quanto ao cara-ou-coroa para conhecer a Decisão Divina, há um episódio curioso ocorrido no Maracanã lá pelos anos 1950, quando o Fluminense e outro clube disputavam uma decisão. Deu empate no jogo e na prorrogação. Não se usava ainda a disputa de pênaltis, e o título seria decidido no cara-ou-coroa.
O juiz chamou os dois times ao centro do campo, rodeados por radialistas e fotógrafos. Antes da disputa, Pinheiro, capitão do Fluminense, chamou o time de lado e cochichou algumas instruções.
O juiz jogou a moeda para o alto, estendeu a palma da mão, mas, antes que a apanhasse, os jogadores do Fluminense esbarraram nele, e se espalharam berrando, agitando os braços, abraçando-se, e logo os foguetões pipocavam e o pó de arroz subia. Até hoje ninguém soube qual tinha sido a vontade de Deus.
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