sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

1586) “O cristal dos verões” (12.4.2008)




Leio a poesia de Sérgio de Castro Pinto há mais de trinta anos. Gostaria de dizer que a leio há quarenta, porque acaba de sair a coletânea O cristal dos verões, reunindo sua produção poética entre 1967 e 2007. Mas em 1967 eu estava descobrindo Drummond e João Cabral. Ainda me levaria um certo tempo para descobrir os poetas paraibanos, devido à hipermetropia cultural de que sofremos, eu mais do que todos. Não importa, porque é próprio da Arte ter efeito retroativo, como uma lanterna acesa que a gente ergue para iluminar o caminho à frente mas que nem por isso deixa de clarear também para trás. A boa poesia é uma luz intemporal: a de ontem pode clarear nossos dias de hoje, e a que lemos hoje pode iluminar coisas que não víramos ontem.

Esta coletânea mostra como a evolução de um poeta não se dá meramente por uma sucessão de fases em que na primeira ele faz um tipo de verso, na segunda faz outro, e assim por diante. A evolução poética se dá por um processo de substituições e de retornos, em que uma técnica ou uma temática não são abandonadas por completo, mas deixadas de lado momentaneamente enquanto o poeta se interessa por outra coisa. Mal comparando, é como se dá com um percussionista de show, que tem à sua frente toda uma tenda de instrumentos, aos quais vai recorrendo, e retornando, sempre que a necessidade se apresenta.

Para mim existe uma continuidade, por exemplo, entre os poemas mais longos e mais complexos de A ilha na ostra (1970) e o minimalismo do recente Zoo imaginário (2005). No primeiro estão alguns dos poemas mais republicados de Sérgio, como o “Camões/Lampião” e a série de textos sobre fotografia, onde existe algo de João Cabral a abordagem analítica de processos. O segundo traz pequenos retratos minimalistas, que por um lado lembram certos textos de Mário Quintana, mas também as vinhetas poéticas com que Erik Satie acompanhava algumas de sua composições (como na série “Sports et Divertissements”). Mas podemos observar que o jogo de assonâncias do tipo palavra-puxa-palavra é raramente empregado tanto por Cabral quanto por Quintana; e que o poder observador do poeta o traz ainda mais próximo dos retratos zoológicos de Guimarães Rosa em Ave, Palavra, o que promove a fusão entre (como diz Sérgio) “a p(rosa) e a (poe)sia”.

O senso visual infalível do poeta o leva a registrar detalhes mínimos do cotidiano como “buquês de roletes”, a ver as noites como “folhas de papel carbono” entre as páginas brancas dos dias, a perceber no pavão um “narciso voyeur”, a ver móbiles de Calder nas costelas dos pobres, a explorar em todas as direções emblemáticas o “y” da Fazenda Guarany. No equilíbrio entre a percepção visual diferenciada e o malabarismo sonoro das aliterações, um livro de poesia de Sérgio de Castro Pinto é uma sucessão de flashes indeléveis em que a linha do verso costura e justapõe o visto, o imprevisto, o ouvido e o vivido.

Um comentário:

Félix Maranganha disse...

Lembro que Sérgio de Castro Pinto me deu dois livros pra eu comentar no blog, mas, sei lá, sofri um bloqueio. Tamanha responsabilidade me deu medo de falar alguma besteira.

Mesmo assim, estou me prostrando e adorando os poemas curtos e bem trabalhados, e a concisão quintanesca cultivada pelo grande Serjão.