Um artigo recente de Nuno Ramos na revista Piauí de abril faz uma boa análise da obra teatral de Nelson Rodrigues. A matéria-prima de Nelson são os sonhos e pesadelos da classe média suburbana: emprego e desemprego; casamento e adultério; obediência e desobediência às convenções; pecados e remorsos; impulsos de ascensão social e de afirmação erótica.
Seus personagens se debatem entre uma luxúria poderosa que os arrasta a todos os tipos de pecados, e uma ânsia desesperada por um amor puro, espiritualizado, não maculado pela sordidez humana. Querem fazer sexo no Inferno, e depois adormecer em paz no Céu.
Diz Nuno Ramos sobre Nelson:
Sua persona foi sempre mais específica, particular e lenta – o reacionário, aquele que não se universaliza, como uma má notícia ambulante a assombrar a velocidade do mundo lá fora. (...) A sua matéria é o particular, entendido como o detalhe significativo que produz escândalo e denota a falsidade do resto. (...) O Brasil do dramaturgo não é aquele que se procura, mas o que não se deixa ir – aquele que ao ser esquecido volta para assombrar.
Nelson é um conservador, no sentido de que é fiel aos fantasmas que o obcecavam na infância e adolescência. Dedicou sua vida adulta a dialogar com eles, em vez de varrê-los para baixo do tapete (como faz a maioria, inclusive seus personagens) ou de transcendê-los através da psicanálise ou da revolução sexual dos anos 1960.
Nelson foi chamado de pornógrafo por uns e de moralista por outros, o que é sempre um indício de que estava remexendo camadas profundas. Nisto ele se assemelha a Luís Buñuel, que, como ele, foi um grande leitor de romances em estilo folhetim, muitos dos quais (Tristana, Belle de Jour, Diário de uma Camareira, etc.) adaptou para o cinema. Quanto a Nelson, usou o pseudônimo de Suzana Flag para escrever ele próprio alguns folhetins imensos que li quando adolescente e foram agora reeditados: Meu Destino é Pecar, Escravas do Amor.
A obra de ambos revela os exageros próprios do folhetim, que em Nelson são redimidos artisticamente através de sua concepção peculiar de dramaturgia e diálogo, e em Buñuel são enriquecidos pelo imaginário surrealista francês.
Ambos extraem sua inspiração do melodrama, mas o melodrama moderno que fazem deixaria desconcertados os artistas a quem copiam ou parafraseiam. Sexo e morte são seus temas preferidos. Criados em sociedades machistas e repressoras, o erotismo era sua obsessão. Buñuel diz em suas memórias:
Os homens da minha geração, e além disso espanhóis, sofriam duma timidez ancestral relativamente às mulheres e dum desejo sexual que era talvez o mais forte do mundo. (...) Sem sombra de dúvida que um espanhol tinha um prazer superior ao copular do que um chinês ou um esquimó.
É essa a mesma luxúria irresistível que conduz os personagens de Nelson a todo tipo de pecado. Para eles, pecar é uma forma de auto-afirmação e de auto-conhecimento.
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