Eu estava descansando-o-almoço diante do History Channel, degustando um programa sobre a Era do Stalinismo, cujo roteiro ilustrava o culto à personalidade que ajudou Stálin a se manter no poder durante décadas. Todos nós sabemos do que se trata. O comunismo acabou com a religião, declarou Deus “persona non grata”, pulverizou a monarquia, os rituais, as pompas e circunstâncias que recobrem essa antiquíssima instituição. E o roteiro dizia: “Alguém teria que ocupar esse vácuo, e ele foi ocupado, naturalmente, pelo próprio Stálin”. E aí, pronto: nos anos 1930 você chegava na cidade de Stalingrado, pegava a Avenida Stálin, hospedava-se no Hotel Stálin, e à noite ia ao Teatro Stálin ver o Balé Stálin apresentar a coreografia “Vida e Glória do Camarada Stálin”.
A monarquia, como já falei aqui, é uma causa-e-conseqüência da visão monoteísta. Um só Deus no Céu, um só Rei na Terra. O universo religioso e monárquico é um Círculo com um ponto no centro. Essa visão-do-mundo foi pulverizada após a Revolução Francesa e a instituição, no mundo ocidental, dos governos republicanos. Se as monarquias correspondem ao monoteísmo, a República é um politeísmo democrático, uma espécie de Monte Olimpo onde os deuses vivem brigando pelo poder, intrigando e conspirando uns contra os outros, mas são forçados a manter as aparências, conviver civilizadamente, dar tapinhas nas costas dos adversários e chamar-se em público de “Vossa Excelência”.
A mentalidade republicana acabou a visão-do-mundo como um círculo com um centro. Visualmente, a República é uma pirâmide cujo conteúdo executa um movimento ascendente. Quem está na base sonha em subir para o meio, quem está no meio está bem pertinho do topo, e quem chega ao topo briga para se manter ali. O Topo é o novo Centro. E – este é o grande salto qualitativo da república – existe um rodízio no Topo. Em vez de seus ocupantes serem escolhidos por Deus, como eram os reis, eles são (para resumir um processo intrincado) escolhidos pelo Topo, ratificados pelo Meio e eleitos pela Base. Mais ou menos isto.
Daí que o culto à personalidade nos países democráticos e republicanos seja diferente do que ocorre nas monarquias e nas ditaduras. É um culto à personalidade pulverizado, diluído, democraticamente atirado no ventilador. Qualquer um pode ser objeto do culto à personalidade. Quem descobriu isto foi Hollywood, depois a TV e a indústria fonográfica tomaram conta, e agora é isto que se vê. As capas das revistas, os talk-shows, as colunas sociais, os cadernos de variedades: estes são os novos templos do culto à personalidade no universo republicano, onde, em princípio, qualquer um pode ser eleito presidente e qualquer um pode ir parar na capa da Veja ou no programa de Jô Soares (ou na capa da Time e no programa de David Letterman). A pirâmide não cessa de produzir gente, e todos se acotovelam tentando chegar na luminosa telinha triangular que reluz no seu Topo e o oculta.
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