sábado, 22 de agosto de 2009

1212) A crença de quem não crê (31.1.2007)




A Editora Record publicou em 1999 um debate, travado nas páginas da revista “Liberal”, entre intelectuais italianos sobre a questão da fé e da ética entre religiosos e leigos. O principal debate foi travado entre o escritor Umberto Eco e o Cardeal Carlo Maria Martini, sendo que na segunda parte do livro aparecem contribuições de filósofos, jornalistas e políticos. 

Tanto Eco quanto Martini defendem com erudição e clareza seus pontos de vista. Entre os demais, gostei dos argumentos do jornalista Eugenio Scalfari e do ex-secretário do Partido Socialista, Claudio Martelli. O livro tem como título Em que crêem os que não crêem?.

A principal diferença entre o pensamento religioso e o pensamento laico é que o primeiro exprime a necessidade de um Centro geométrico, e o segundo se contenta com um ambiente conceitual sem forma definida. 

As religiões monoteístas (cristianismo, Islã, judaísmo) exprimem esta concentração de valor num único ponto de referência dogmático, inquestionável, e neste sentido assemelham-se aos regimes políticos centralizadores, autocráticos (quando não são explicitamente autoritários e ditatoriais). 

As religiões politeístas parecem certas democracias parlamentares, onde a toda hora quem está mandando é um grupo diferente, de acordo com as flutuações de poder e de influência.

Passamos de um estado primitivo onde havia um grande número de deuses para a fase do Cristianismo em que tudo se concentrou num Deus uno (ou trino, nessas ambigüidades geométricas que fazem a alegria dos metafísicos). Com o Iluminismo, a Revolução Francesa, a separação entre igreja e Estado, e assim por diante, foi quebrado esse centralismo espiritual e retornamos a uma multiplicidade de valores que agora não mais se exprime por uma proliferação de divindades antropomórficas, mas por uma proliferação de crenças não-espirituais.

É esta proliferação que é questionada pelo Cardeal Martini em seu debate com Eco: essas pessoas que não crêem mais em Deus têm valores morais e éticos; mas de onde lhes vêm estes valores? Eles não podem ser totalmente relativos ao momento, senão teríamos que admitir que em tais e tais circunstâncias seria legítimo agredir, saquear, matar e fazer mal a outras pessoas. 

O debate entre os pensadores italianos retoma a frase crucial de Dostoiévski: “Se Deus não existe, então tudo é permitido”. Para os monoteístas, é preciso que haja um Centro, um Absoluto, um dedo que risca o limite entre o que podemos e o que não podemos fazer, ou, mais precisamente, uma escala de valores que vai desde o absolutamente obrigatório ao absolutamente proibido, com todos os estágios intermédios entre um e outro. E isto só pode vir de Deus.

A principal crítica feita pelos não-crentes é que, não existindo um Deus que “inspire” os Papas e outros líderes, as escolhas morais e éticas destes são subjetivas, historicamente condicionadas, politicamente interessadas – tanto quanto as dos cientistas ateus.




Um comentário:

Paulo Rafael disse...

De fato, a frase citada não está em Dostoiévski. No livro Os irmãos Karamázov, tradução de Paulo Bezerra, quando os Karamázov se encontram com o stárietz (guia espiritual) Zossima, Ivan K afirma quando o homem não acredita na imortalidade, tudo se torna permitido, o crime, a antropofagia.
Abração!