terça-feira, 14 de outubro de 2008

0597) “Meu tio matou um cara” (16.2.2005)



Alguns anos atrás a TV-Globo exibiu Luna Caliente, uma mini-série de Jorge Furtado que, com alguns cortes, poderia resultar num longa-metragem para cinema. Seria um dos melhores filmes policiais brasileiros. É a história de um cara (Paulo Betti) que comete um crime arrastado por uma mulher fatal (no caso, uma ninfeta diabólica) e começa a se enredar numa teia de mentiras mal-contadas e de testemunhas incômodas que precisam ser silenciadas. E o filme tem uma tintura de sobrenatural que o torna ainda mais arrepiante.

Não vi o primeiro longa de Furtado, Houve uma vez dois verões, mas o segundo, O Homem que Copiava é também uma espécie de filme policial: dois rapazes (Lázaro Ramos e Pedro Cardoso) se juntam para dar um golpe, e o primeiro crime acaba obrigando-os a cometer o segundo, o terceiro, e por aí vai. Na época, o diretor foi acusado de amoralismo, de fazer propaganda da transgressão e da marginalidade, num filme que era claramente destinado ao público adolescente. Parece que isto direcionou um pouco o enredo deste Meu tio matou um cara, onde o simpático trio de protagonistas (Darlan Cunha, Sophia Reis e Renan Gioelli) faz o papel de detetives, e procura esclarecer um nó de histórias mal-contadas que levou o tio de um deles à prisão por assassinato.

Na verdade, os méritos dos filmes de Furtado não estão no terreno da “mensagem” ou da “moral da história”. Eles mostram, por exemplo, casais interraciais, mas não discutem a questão, o que na minha opinião é um dado positivo. Não que não valha a pena discutir se um negro pode casar ou não com uma branca, ou vice-versa; mas é igualmente positivo dar uma situação assim como fato consumado, como uma coisa normal da vida, e ir adiante. É isso que o filme faz, com o mérito adicional de se passar em Porto Alegre, onde casamentos e namoros desse tipo devem ser bem mais raros do que em Salvador ou Recife.

O mais interessante dos filmes de Jorge Furtado é a fluência de seus roteiros, onde há sempre a voz do protagonista lembrando, contando e comentando tudo que acontece. A narração em “off” é muitas vezes usada para explicar ao público coisas que o roteirista e o diretor não conseguiram mostrar. Nos filmes de Furtado, este recurso faz a narrativa fluir mais rápida, com transições e reviravoltas bruscas, sem que o público perca o fio da meada. O ponto de vista de Duca (Darlan Cunha) é o olho crítico com que os adolescentes vêem e julgam os adultos. “Teu tio é um idiota,” comentam eles o tempo inteiro. Os jovens deste filme tem lá seus problemas, dão suas mancadas, mas não perdem os adultos de vista do começo ao fim. É diferente, por exemplo, de coisas como Malhação, um típico programa onde adultos escrevem sobre como os adolescentes se comportam estatisticamente, procurando “refletir o pensamento dos jovens”, ou seja, procurando ampliar e perpetuar todos os piores clichês da Zona Sul carioca sobre o jovem brasileiro em geral.

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