A trilogia O Senhor dos Anéis foi trazida para o cinema por Peter Jackson com a fidelidade possível quando se trata se adaptar um livro tão imenso – na edição de bolso que possuo, ele ultrapassa as 1.500 páginas.
A comunidade internacional de fãs de J. R. R. Tolkien teve um papel importante nisto, pressionando diretor, roteiristas e produtores, e impedindo as catástrofes dramatúrgicas típicas das adaptações dos clássicos feitas em Hollywood. Assim, grande parte da substância do livro acabou tendo um equivalente aceitável na tela.
Tolkien era um sujeito introvertido, ascético. Teve uma terrível experiência nas trincheiras durante a I Guerra Mundial, quando perdeu vários amigos. O Senhor dos Anéis foi escrito entre 1936 e 1949, durante a II Guerra, portanto.
É comovente (e educativo) nos dias de hoje, ver Tolkien afirmar que o manuscrito inteiro foi duas vezes datilografado por ele próprio, porque mesmo sendo professor em Oxford não podia pagar um datilógrafo.
Era um conservador, apaixonado pela Idade Média, sobre a qual falava aos seus alunos com entusiasmo; conta-se que costumava encerrar essas descrições dizendo: “E aí veio a Renascença, e estragou tudo.”
Era profundamente católico, misoginista como muitos britânicos de sua geração, detestava a tecnologia e a modernização.
O “Condado” (Shire) onde vivem os hobbits é sua utopia pessoal, uma visão idealizada de uma Inglaterra rural, pacífica mas resoluta, amante do sossego e dos livros, mas capaz de ganhar uma guerra se ameaçada de invasão.
O Senhor dos Anéis, apesar de ser aquele catatau, é apenas a ponta do iceberg ficcional de Tolkien, que imaginou uma história-do-mundo completa, desenhou mapas, criou genealogias, idiomas e alfabetos.
Tolkien fundou o que podemos chamar de “ficção catalográfica”, onde o autor inventa todos os detalhes de um mundo. Ele inventou primeiro o idioma dos elfos, e ao imaginar sua História começou a inventar as narrativas que hoje conhecemos. Neste aspecto, sua obra tem uma coerência e um mapeamento interno muito maior que a obra de Guimarães Rosa.
Rosa era meticuloso ao pesquisar, e totalmente intuitivo e instintivo ao escrever. Seus arquivos guardam uma quantidade impressionante de material, mas ele não lhes deu a coerência catalográfica que existe na obra de Tolkien.
Extrovertido, vaidoso, bem-humorado, cosmopolita, Guimarães Rosa era em muitos aspectos o avesso de Tolkien.
Seus heróis (Riobaldo, Diadorim, Augusto Matraga) são tomados muitas vezes por uma alegre ferocidade, uma euforia-de-batalha que está ausente nos heróis dos “Anéis”.
Por outro lado, o romance de Tolkien é otimista (dos nove membros da Irmandade do Anel, apenas Boromir morre), enquanto que o Grande Sertão é no fundo a história de um fracasso, ou de uma vitória de Pirro: no final, Riobaldo é feliz no jogo (na guerra) e infeliz no amor.
Tolkien era um homem triste que sonhava com finais felizes, e Rosa um homem alegre que temia o Final.
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