Quando a gente vê letra de música falando num produto qualquer, fica logo desconfiado. Será merchandising? Será propaganda? Na adolescência, eu ficava maravilhado e desnorteado com o fato de João Gilberto dizer, com aquela vozinha inocente dele: “Fotografei você na minha Rolley-Flex, revelou-se a sua enorme ingratidão...” Longas polêmicas noite adentro: quanto será que a Rolley-Flex pagou a Tom Jobim e Newton Mendonça, os autores de “Desafinado”, por essa propaganda? “Mas não é propaganda,” insistia alguém, “é um novo conceito de letra de música, onde se pode falar de todos os aspectos que constituem a sociedade moderna...” E haja discussão, e nada do dia amanhecer.
Aí veio Caetano Veloso, com “Alegria, alegria”, falando: “Eu tomo uma Coca-Cola, ela pensa em casamento...” Ora, falar na poção-mágica-do-capitalismo-ianque em plena época da ditadura militar era pedir para ser crucificado, excomungado, e fuzilado no paredão, tudo ao mesmo tempo. Que ousadia era aquela? Me lembro que Rômulo Azevedo desmentiu que fosse aquela a primeira vez que o sacrilégio era cometido, pois Luiz Gonzaga já tinha cantado, em “Siri jogando bola”: “Vi um jumento tomar vinte Coca-Cola, ficar cheio que nem bola, e dar um arroto de lascar, lá no mar...” Os Mutantes não apenas compuseram um jingle para a Shell, “Algo Mais”, como também o colocaram como uma das faixas de seu segundo elepê. Jingle é música? Não sabíamos. Ninguém sabia. A esquerda era contra. Os poetas concretos de São Paulo eram a favor. O jogo está na prorrogação até hoje, e o gol-de-ouro ainda não saiu.
O saite American Brandstand dedica-se, há quase um ano, a rastrear menções de marcas de produtos em letras da música popular. As estatísticas são curiosas. (Quem quiser ver tudo, pode ir para: http://www.lucjam.com/brand03.html) Engana-se quem pensar que as marcas mais óbvias são as mais citadas: não há nenhuma citação à Coca-Cola e apenas uma ao MacDonald´s. As canções que ocuparam os 20 primeiros lugares da Billboard, em 2003, mencionaram um total de 82 marcas diferentes. Das 111 canções que ocuparam essas primeiras colocações, 43 tinham marcas citadas em suas letras. A marca mais citada foi Mercedes Benz, que apareceu 112 vezes, e o artista que citou mais marcas foi o rapper 50 Cent. O recorde de marcas citadas numa única música, contudo, é de Lil´Kim, que em “The Jump Off” citou nada menos que 14 produtos.
Citar marcas, explica o saite, é o modo mais rápido de definir o próprio status social, ou de projetar suas aspirações a um status. Mais do que merchandising onde os artistas recebam pagamento pelo anúncio, o que existe são “alianças estratégicas”. Mais do que no rock, é no mundo do rap e do hip-hop, estilos de letras mais voltados para o aqui-e-agora, que a citação de marcas predomina. E uma tendência recente é a de artistas que criam suas próprias marcas e as divulgam insistentemente em seus próprios discos.
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