sábado, 15 de março de 2008

0252) O leigo (10.1.2004)





(desenho de Saul Steinberg)

O leigo é qualquer um de nós, por mais “profissional especializado” que seja neste ou naquele setor. Saiu do setor, o sujeito é leigo, e está arriscado a pagar todos os micos de quem não sabe da missa um terço ou ouviu o galo cantar mas não sabe onde. 

Todo mundo é leigo em algum momento da vida. Todo mundo está sujeito a fazer uma pergunta idiota, uma pergunta cuja resposta é óbvia para qualquer débil mental, menos para ele. Como a repórter de TV do interior de São Paulo, que foi entrevistar Chitãozinho e Xororó. Apontou o microfone para um deles e perguntou: “Você é quem?” Ele respondeu: “Chitãozinho” E ela, para o outro: “E você?” 

Alguém irá ponderar, com razão, que aí não se trata de ser leigo, mas de ser burro; mas o fato é que uma pessoa intelectualmente prejudicada pode ficar 10 anos praticando uma profissão e nunca deixará de ser leiga.

Uma cena típica do leigo é a daquele filme de Woody Allen onde ele está numa festa e alguém estende para ele um espelho com várias fileiras de cocaína e diz: “Esta aqui é da boa, custou uma nota preta” – e ele dá um espirro gigantesco, levantando uma nuvem de pó. 

Noutro filme, é ele que está num laboratório fotográfico, revelando uma foto; a namorada abre a porta e faz uma pergunta boba qualquer, que ele responde sem se alterar, enquanto rasga a cópia que acabou de ser inutilizada. 

O leigo é aquele cara cheio de boas intenções mas que não dá uma dentro. Frases típicas do leigo são: “Espero não ter interrompido nada importante” ou “Pra quê que serve isto aqui?... ôpa, desculpe.”

Sabemos que um camera-man é leigo quando, ao mostrar um violonista ou guitarrista, ele insiste em focalizar a mão direita, que é “a que está tocando”, em vez da esquerda, a mão que faz os acordes (que nós, pretendentes a músicos, queremos saber quais são). 

Uma vez eu estava num grupo de cineclubistas que manuseava pela primeira vez uma câmara de verdade. Fulano, um dos mais inteligentes do grupo, pegou na máquina e perguntou: “Por onde é que olha? Por aqui?” – e encostou o olho na objetiva. Tivemos a premonição, naquele instante, de que Fulano jamais seria um cineasta.

Quando chega o prato dele no restaurante, o leigo se espanta: “Oi, e era isso?!” 

Você o leva para ver Tiros em Columbine, de Michael Moore, ele comenta, ao sair: “O filme é bom, mas deviam ter botado outro repórter, e não aquele gordo chato.” 

Tudo que ele diz tem lógica, mas uma lógica que não se aplica. Como a história do casal cujo carro atola numa poça de lama. O sujeito acelera, acelera, e as rodas traseiras afundam cada vez mais na poça. Ele pede à esposa: “Desce aí e joga um pouco de terra seca nas rodas, pra ver se elas pegam.” Ela obedece, e ele continua a acelerar, até que percebe que ela está jogando a terra nas rodas da frente. Ele reclama: “É nas rodas de trás!” E ela, imperturbável: “As de trás já estão girando. Quem não consegue girar são as da frente!”





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