A publicidade promete isto, com insistência, com convicção, eu diria até com júbilo. O “melhor da vida”, pasmem, existe. E pode ser obtido com o cartão de crédito X, a companhia aérea Y ou o desodorante Z. Não estou aqui para questionar a credibilidade filosófica da propaganda; seria o mesmo que questionar a verossimilhança dos filmes de Xuxa. A publicidade não existe para nos ensinar o que é a vida, mas para fazer convergir numa direção só, a do cliente, um capital pulverizado em milhões de bolsos do Oiapoque ao Chuí. Beleza. A minha pergunta é: o que é o melhor da vida?
Quem é rico, sabe: existe uma hierarquia de valores para tudo, uma escala de 0 a 10, do pior ao melhor. E é preciso procurar o que há de melhor. Se é difícil, vai-se à luta. Se está longe, vai-se em busca. Se é caro, consegue-se dinheiro para obtê-lo. O que importa é a certeza de que não se está sendo enganado pelo Destino. É constrangedor alguém descobrir, a certa altura da existência, que poderia ter o melhor e não está tendo. Seria aterrorizante o sujeito perceber que passou a vida contentando-se com um produto de segunda classe.
Não sou um grande consumidor. Eu visto qualquer coisa (de preferência jeans, tênis e camisa de mangas arregaçadas). Como qualquer coisa. Não sei a marca de nada. Sou incapaz de identificar, se vendarem meus olhos, as 3 ou 4 marcas de cerveja que bebo desde os 17 anos. Sou uma negação para essa busca do Santo Graal da Qualidade. Portanto, qualquer crítica minha aos elegantes, aos gurmês, aos sofisticados, vai parecer incompreensão de leigo ou azedume de incompetente.
Vou comparar, portanto, com o universo dos livros, talvez o único onde eu possa imaginar que distingo níveis de qualidade de 0 a 10. Engana-se quem pensa que eu vivo numa busca constante dos melhores livros, dos melhores autores, dos Gênios das Letras. Eu poucas vezes leio um livro porque acho que vai ser um grande livro. Eu gosto de qualidade literária, conheço (e leio, e releio, de vez em quando) algumas dezenas de escritores a quem eu daria nota 10: mas não me dedico todo o tempo à leitura deles. Mal comparando, eu tenho nas minhas estantes o equivalente a centenas de uísques escoceses, mas a toda hora estou tomando Malibu ou Conhaque de Alcatrão, somente porque tem um gosto diferente.
O melhor da vida é o ótimo, o genial, o excepcional? Pode ser, mas não só. O melhor da vida é orquestrar o bom e o surpreendente, o genial e o excêntrico, o excepcional e o médio. A vida é uma melodia. Sua beleza não está em cada nota isolada, mas no desenho que elas formam ao se suceder umas às outras. O desenho formado pelas coisas que acontecem em minha vida é mais interessante do que qualquer uma dessas coisas em si, o que aliás não me impede de fruir até a última gota cada tarde de trabalho intenso, cada noite de farra e de amor, cada manhã de paz.
2 comentários:
Desde já parebenizo por algo que suspeitava...seu volume de artigos já parte para este blog e claro, etapa inevitável, ganhará os prelos da editora. E eu estarei torcendo, como leitor assíduo.
Grande abraço!
André Ricardo Aguiar
Oi André. Pois é, vamos aguardar. Resolvi fazer um Blog pq duvido que alguém se disponha a editar um volume de 1.500 páginas... :-)
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