Tirar a poeira que provavelmente se acumulou por trás dos
livros nas prateleiras da estante. (Ou pagar alguém para fazê-lo, o que está
mais próximo ao reino das possibilidades.)
Fazer uma consulta no oculista; trocar as lentes dos meus
óculos, mais arranhadas do que o escudo de Sir Lancelote; e, talvez, parar de
ler os livros como se lesse em Braille com a ponta do nariz. (Bem, devo estar exagerando,
mas a miopia está tão avançada que a olho nu não distingo entre enxergar e
exagerar.)
Entregar aquele texto atrasado, mas não esquecido.
(Desculpa aí, amigos, mas o que nasce de parto natural tem seu ritmo próprio, e
ainda não se inventou a cesariana literária.)
Dar uma nova chance a pelo menos um terço dos livros que
no ano passado não passaram no Teste do Primeiro Capítulo. (Sim, sei que o
critério é brutal, mas trata-se de uma pilha com cerca de quarenta ou cinquenta
obras, e nestas horas não sou mais o intelectual diletante e complacente, sou
segurança-de-boate com dentes de titânio e tatuagem de Chuck Norris no bíceps,
e só tem acesso quem fizer por onde.)
Responder todas as mensagens ainda não respondidas, assim
que for capaz de decidir se devo fazê-lo por ordem cronológica, por ordem
alfabética, ou por ordem de importância. (E, neste último caso, retomar os
originais dos meus Prolegômenos a uma
Taxonomia Hierárquica das Motivações Subjetivas dos Meus Assim-Ditos Semelhantes,
interrompida na página 638 no início da pandemia.)
Investigar mais a fundo o dúbio acidente de automóvel que
vitimou o escritor Albert Camus, nos primeiros dias de janeiro de 1960, e que
muitos dizem ter sido um crime premeditado. (Paul Auster é um dos que defendem
essa tese polêmica.)
Pesquisar com detalhes o meu projeto antigo de criar na
Paraíba uma reprodução do “Caminho de São Tiago de Compostela”, começando em João
Pessoa (Ponta do Seixas) e indo até Cajazeiras, a última grande cidade paraibana,
num trajeto feito a pé. (Calcular número de quilômetros por dia, possíveis
paradas, albergues, etc.)
Escrever um livro de contos intitulado “Praça de
Alimentação”, com pequenas cenas, diálogos, etc., ambientados nas respectivas
praças de alimentação de dez shoppings de cidades brasileiras, com detalhamento
de descrição suficiente para serem identificados, mas sem dizer quem é quem. (O
livro será um best-seller absoluto, porque irá impactar lucrativamente na
frequência a esses recintos, e receberá um impulso comercial extra sempre que
uma das praças for identificada sem sombra de dúvida.)
Escrever uma biografia de B. Traven. (Já que ninguém sabe
quem foi ele ao certo, embora sua obra literária seja famosa, qualquer
biografia tá valendo.)
Desencaixotar aquela parte da mudança de 2019 na qual
ainda não tive ânimo para mexer. (Principalmente porque muitos livros sumiram
na mudança, quem me garante que não estarão ali? Questão de lógica elementar!...)
Redigir o piloto daquela série de TV que será um grande
sucesso, “Dennis vs. Sheldon”, em que o Pimentinha dos gibis encontra o Young
Sheldon, o futuro protagonista da série The
Big Bang Theory. (Verossimilhança cronológica à parte, claro, porque esse
detalhamento diegético fica para esse pessoal pentelhante e catador-de-lêndeas,
os sheldonianos da vida real.)
Separar as camisas em que é preciso pregar botão. (E mais
uma vez me verei diante do dilema: aprender a costurar aquela cruzinha que
sustenta o botão, ou continuar terceirizando? Fortes emoções nos próximos
capítulos.)
Aprender a fazer mágicas. (Sim, muitas pessoas
transbordantes de solidariedade dirão que eu “já faço mágica com as palavras,
etc etc...”, mas meu sonho é fazer mágica com baralho, lenço, pombo, jarro
dágua, etc.)
Passear nas três linhas do VLT do Rio, que praticamente
não conheço ainda. (Eu não moro no Rio de Janeiro, moro no meu apartamento.)
Baixar aquele software que atribui uma nota musical a
cada tecla deste meu teclado de escrita, e registrar a melodia-aleatória
correspondente a meus poemas mais conhecidos. (Ainda estou em dúvida se solto
as melodias no YouTube e ofereço um prêmio a quem descobrir, mas isso vai
bagunçar minha rotina, melhor não.)
Traduzir o Eugene
Onegin de Pushkin sob o título de Eugene,
Oregon, mantendo o formato de “soneto pushkiniano”, e ambientar a história
no noroeste dos EUA, uma história tipo aquele Paterson de Jim Jarmusch. (Pode parecer uma violentação à arte do
poeta russo, mas muito pior do que isto foi o que fez Vladimir Nabokov!)
Todos os dias trancar a porta do escritório, pegar o
violão, e improvisar sextilhas sobre temas aleatórios durante 30 minutos. (Só
começar a gravar a partir do quinto mês.)
Ganhar bem muito dinheiro, comprar as casas onde já morei
em Campina Grande, e cedê-las às autoridades para que sejam transformadas em bibliotecas públicas. (Para ser
totalmente realista, a parte mais provável desta proposição é o seu trecho inicial.)
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