Nós somos as prostitutas do riso, porque, tal como prostitutas, sabemos bem o que somos; sabemos que não passamos de simples mercenários dando duro no trabalho e ainda assim os que nos alugam pensam que estamos numa diversão perpétua. Nosso trabalho é o entretenimento deles, e por isso eles pensam que é nosso entretenimento também. Assim, existe sempre um abismo entre a noção deles, de que nosso trabalho é diversão, e a nossa, de que a diversão deles é a nossa labuta.(p. 119, trad. BT)
Os únicos sons que vêm da área reservada aos animais são o contínuo ronronar dos grandes felinos, como um mar distante, e os tinidos distantes dos elefantes de carne e osso do Coronel Kearney, enquanto eles balançam as correntes presas às suas pernas, como fazem o tempo todo, todo o tempo que passam acordados, pois em sua milenária e longeva paciência eles sabem muito bem como, em uma centena de anos, ou em um milhar de anos, ou mais, quem sabe, ou amanhã, ou dentro de mais uma hora, porque tudo não passa de uma aposta, uma chance em um milhão, mas em todo caso existe uma chance de que se eles continuarem balançando as correntes, um dia, algum dia, os fechos de suas algemas irão se partir.(p. 106)
Noites no Circo tem uma prosa exuberante, especialista em botar pessoas de baixa extração social derramando uma prosa de fazer inveja a qualquer Poeta Laureado vitoriano, mas pontilhado de palavrões, metáforas obscenas e humor de ponta-de-rua, para manter o senso de proporção. Numa história que envolve prostitutas, palhaços sádicos, fotógrafos de ectoplasmas mediúnicos, presidiárias lésbicas fugidas de um panóptico, xamãs em transe lisérgico e bandoleiros que assaltam na neve, há uma disparidade confortável de mentalidades e texturas verbais, mas a graça da autora é tornar plausíveis as falas de toda essa galeria de excêntricos, sem nunca sair do tom de sua própria narrativa.
A Rússia é uma esfinge. Ó grande imobilidade, antiga, hierática, um quadril escanchado na Ásia, o outro sobre a Europa... que destino exemplar estás tricotando com o sangue e os tendões da história, em teu útero adormecido?Ela não responde. Os enigmas ricocheteiam em seu costado, pintado em cores tão exuberantes quanto as de uma tróica de camponeses.A Rússia é uma esfinge; São Petersburgo, o belo sorriso em seu rosto. Petersburgo, a mais adorável das alucinações, miragem tremeluzente nas vastidões desérticas do Norte, que se vislumbra por uma fração de segundo entre a floresta negra e o mar gelado.Dentro da cidade, a bela geometria de todas as perspectivas; fora dela, a Rússia ilimitada, e a tempestade que se aproxima.(p. 96)
Porque, vejam bem, ter asas e não ter braços implica em uma coisa impossível; mas ter asas e ter braços é o impossível duplamente improvável; o impossível ao quadrado.(p. 15)
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