domingo, 18 de agosto de 2019

4495) As amizades invisíveis (18.8.2019)




Existem muitos capítulos da História sobre as amizades e as parcerias entre grandes artistas. A amizade de Gauguin e Van Gogh, por exemplo, uma amizade mixada com competição e irritabilidade de parte a parte. Ou a relação parecida entre os poetas Rimbaud e Verlaine, neste caso misturada a uma paixão homossexual.

O que a gente muitas vezes não fica sabendo são aqueles episódios meio obscuros em que um artista famoso foi ajudado por outro sem que isso, de certa forma, tivesse muita repercussão. Ou então dois amigos de infância ou juventude que no futuro viriam a seguir caminhos opostos e se tornarem famosos em universos quase incompatíveis entre si.

Por exemplo: li certa vez no Facebook um depoimento do músico Ivan Conti, do célebre grupo Azymuth, dizendo:

Nunca falei sobre isso! Fazendo uma entrevista agora para a DownBeat, lembrei me de algo muito importante, ao meu ver, na carreira do AZYMA!!
E não éramos ainda AZYMA!!
Com isso trazíamos novidades em instrumentos e corríamos para ensaiar logo e usar tudo aquilo, pois era uma festa!!. Imagina bateria, baixo e teclados novos? Sempre!!
Valeu Ivon!

Nós tivemos um grande aliado e gostaria de agradecer, porque o cantor/artista Ivon Cúri nos levava para tocar em suas viagens patrocinadas pela VARIG, e íamos para para USA e Canadá.

Gostei desse depoimento porque se você perguntar a 50 críticos ou músicos qual a relação entre a música do Azymuth e a música de Ivon Cúri, provavelmente todos vão dizer que nenhuma.


(Ivon Cúri)

Existe uma lenda de que roqueiro só ajuda roqueiro, cineasta só ajuda cineasta. De que as simpatias artísticas prevalecem 100% sobre a possibilidade de simpatias pessoais, ou de mera atividade conjunta e harmoniosa entre pessoas que pertencem a universos culturais diferentes.

Pesquisando meu livro sobre Luís Buñuel (O Anjo Exterminador, Rocco, 2002) fiquei sabendo de uma amizade improvável entre o cineasta espanhol e o artista plástico Alexander Calder, o famoso inventor dos “mobiles”.

Parece que quando Buñuel fugiu da Europa durante a guerra e foi para Nova York, Calder e sua família o hospedaram no amplo apartamento onde moravam. Os dois foram apresentados por Iris Barry, diretora da cinemateca do MoMa e fã do surrealismo. Buñuel se mudou para o apartamento do escultor com a esposa Jeanne e o filho pequeno Jean Luis; foi ali que nasceu o segundo filho, Rafael, em maio de 1940.

Jean-Luis Buñuel lembra de quando era pequeno e Calder conversava com seus pais enquanto fazia para ele brinquedos de cortiça e arame. O próprio Jean Luis acabou se tornando escultor depois de adulto.


(postal de Calder e Jean-Luis Buñuel para Jeanne)

Todo mundo pensa que os dois reis do romance policial hardboiled, Dashiell Hammett e Raymond Chandler, ou eram grandes rivais ou grandes amigos. Nem uma coisa nem outra. Na verdade, os dois se encontraram pessoalmente apenas uma vez na vida, numa reunião dos escritores que colaboravam com a revista Black Mask (há uma foto famosa). Nunca foram próximos, e ao que consta nunca sequer se escreveram cartas. Não conheço nenhum depoimento de Hammett sobre Chandler, mas este último escreveu numa carta, a respeito do mestre, que era aliás seis anos mais novo do que ele (embora começasse a publicar mais cedo), que o admirava muito como escritor e como bebedor de uísque.

Amizade meio improvável foi a que Chandler acabou tendo com Ian Fleming, o criador de James Bond, com repercussão na Inglaterra, onde Chandler era considerado um escritor de primeira linha (muito mais do que nos EUA) e Fleming um mero autor de best-sellers. Os dois acabaram se dando bem, Chandler elogiava o domínio de Fleming sobre o idioma norte-americano, e há uma gravação famosa dos dois num programa de rádio, que pode ser ouvida no YouTube.

Amizade improvável mesmo é a que descobri num artigo de Ruy Castro. Em meados dos anos 1960 o poeta João Cabral de Melo Neto, que na época era cônsul brasileiro em Barcelona, estava jantando com amigos na cantina Fiorentina, no Leme, quando se ouviu um zum-zum-zum lá fora, com a chegada de um grupo. Os amigos disseram que era Chacrinha, e Cabral perguntou quem era. “Um apresentador de TV, bem popularesco,” responderam, “e que está no auge do sucesso”.

Nesse instante Chacrinha entrou no restaurante, olhou para a mesa deles e abriu os braços gritando: “Cabral!”. E o cônsul ergueu-se, abrindo os braços e gritando: “Abelardo!”. Os dois se abraçaram aos soluços. Tinham estudado juntos quando eram meninos, no Recife, e não se viam há mais de trinta anos. E Ruy Castro encerra dizendo: “É o Brasil.”











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