segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

4416) Natal 2018 (23.12.2018)




(ilustração: Ralph Steadman)



... e um ano transcorreu num só segundo
como um flash, um relâmpago, um raio,
e eu aqui, tropeçante, e eu, cambaio,
cultivando as derrotas, como plantas;
não importa se feias, pois são tantas
que formando fileiras, curvas, retas,
traçam formas: mandalas incompletas
arabescos que algum valor terão...
Acabei de encontrar minha missão
no planeta dos cactos e das rosas.

Como Augusto, o das letras tenebrosas,
quero que o solo coma os meus resíduos
como sempre tem feito aos indivíduos
que recolhem do mundo os elementos
com que compor seus corpos suarentos...
A alma é um pião que na poeira
gira, gira; e o corpo é a ponteira
encravada no chão do mundo tosco
tirando chispas do terreno fosco
onde um dia seus ossos dormirão...

Que seja a Glória ter pisado o chão,
ter sido gente, bicho, fruta e flor,
ter sentido o prazer, quase uma dor,
da água fria escorrendo pelo rosto...
O prazer de escrever. De ter composto
um fio de melodia original
que deu prazer a quem, num dia tal,
num subúrbio distante, num distrito,
ouviu um som e disse; "que bonito,
isso aí que no rádio está tocando,,,"

"E eu pela estrada, entre estes monstros, ando"
dando o dedo ao destino que me aguarda,
e peço a Deus, esta eminência parda,
que me dê no relógio alguns acréscimos.
Convenhamos: os tempos estão péssimos,
mas mesmo assim insisto em desfrutá-los;
escrevo à noite enquanto espero os galos
e em dueto a difusa passarada
que gorjeia: "Aproveita, camarada,
vai fazer um café, não dorme agora!”.

Troco minhalma por mais uma aurora.
Troco o que fui pelo que não serei,
os futuros que nunca alcançarei,
a imensidão do que haverá sem mim...
Mas a vida não quer que seja assim
e me obriga a bebê-la de um só gole.
Quer saber?! Sanfoneiro,  puxe o fole,
faça o povo rodar, rode também!
Quanto mais vida vai, mais vida vem:
eis a única lei deste Universo.

Vale a pena (pergunto) mais um verso
celebrando o Natal e os jingobells?
Onde quer que eu me vire vejo os céus
piscando essas luzinhas de néon;
cada shopping um vírus do Leblon
se alastrando na taba brasileira...
Cem mães gritam, regendo a brincadeira
dos guris na piscina de bolinhas,
pula-pula, boliche e argolinhas,
nas descidas do escorregador...

E o Natal musical e multicor
volta a chiar na chapa do verão
e esta dor que voltou me dá razão
para pensar de noite, olhando a treva...
E o rio-tempo em seu passar me leva
e eu canto o tempo, e reinvento o rio,
e esta caneta desenrola um fio
de palavras que valem por meu rosto...
É dezembro, é abril ou é agosto
esse Natal que não melhora o mundo?...





6 comentários:

Angela Cristina Alves Albino disse...

Maravilhoso e grandioso sempre!

LiterArte&Social disse...

Brilhante

Mala de Romances disse...

Muito bom, poeta. Um grande poema agalopado.

Arievaldo Vianna

Anônimo disse...

Estupendo! Grande Braulio!

Anônimo disse...

Como escreve bem...Meu Deus!!

RANGEL JUNIOR disse...

Nesses versos tem um loop...kkkk