(Arkádi & Bóris Strugátski, Piquenique na Estrada, Ed. Aleph, São Paulo)
Um subgênero fascinante da FC é o que eu chamo de
histórias sobre “Labirintos Aleatórios”. São labirintos (geralmente construídos
por alienígenas) cheios de armadilhas, por onde os personagens (em geral,
astronautas terrestres explorando outro planeta) tentam entrar, mas são
destruídos de maneira aparentemente aleatória quando pisam num certo ponto,
tocam num objeto qualquer, etc.
O livro que me revelou esse tipo de trama foi Rogue Moon (1960) de Algis Budrys, um
romance que mais de uma vez botei na minha lista dos “dez melhores da FC”. Budrys escreve romances e contos tensos, com
personagens duros, práticos, “no-nonsense”, de masculinidade agressiva. São
histórias notáveis, de base científica sólida, premissas ousadas, ressonâncias
metafísicas.
Rogue Moon fala
da descoberta de um artefato na Lua, um labirinto que mata todo mundo que tenta
entrar nele. Percebe-se que certos gestos, certos movimentos são capazes de
detonar automaticamente o sistema de auto-proteção do artefato, mas só se
percebe isso depois que o voluntário morre.
A solução é criar um “duplo” do voluntário: enquanto o
original está numa câmera protetora ou coisa semelhante, o “duplo” vai lá no
labirinto, morre, e o original (que guarda tudo na memória) está pronto para
avançar mais alguns metros na próxima tentativa.
Um labirinto maior, do tamanho de uma cidade, é o que
aparece em The Man in the Maze (1969),
de Robert Silverberg. No centro dele está escondido um humano que é preciso resgatar.
Mais uma vez, um batalhão de exploradores se submete às armadilhas aleatórias e
automáticas que vão destruindo quem passa no lugar errado ou toca no objeto
errado.
Foi sem dúvida com estes dois precedentes ilustres em
mente que os irmãos russos Arkádi e Bóris Strugátski escreveram Piquenique na Estrada (1972 – publicado
agora pela Ed. Aleph, com tradução de Tatiana Larkina), o livro que deu origem
ao filme Stalker (1979) de Andrei
Tarkovski.
A premissa: grupos de alienígenas realizaram visitações
breves a seis pontos do planeta Terra, e ao partir deixaram atrás de si Zonas
transformadas, com alguns quilômetros de diâmetro. Um cientista explica: é como
se nós fizéssemos um piquenique na beira duma estrada, sem ligar para os bichos
que habitam ali. E ao partirmos deixássemos para trás “óleo que pingou do um
radiador, uma lata com um pouco de gasolina, velas e filtros usados, (...)
panos sujos de óleo, as lâmpadas queimadas, uma chave de fenda que alguém
esqueceu na grama.”
A Zona está coberta de coisas inexplicáveis como as
“carecas de mosquito”, pontos de alta gravidade que destroem, achatando,
qualquer criatura que os cruze; “gotas negras”, que refletem com atraso os
raios de luz; “fantasmas alegres”, turbulências no ar; o “moedor”, que arrebata
no ar os indivíduos que o cruzam, e retorce seus corpos.
O “stalker” é justamente o cara que presenciou tudo isso
e mapeia os trechos por onde não se deve passar; porque todos vão em busca de
artefatos para vender, e da Esfera Dourada que (reza a lenda) é capaz de
realizar os desejos de quem se aproximar dela.
A tradução recente da Editora Aleph inclui dois itens
preciosos da edição norte-americana: o prefácio de Ursula LeGuin e o posfácio
de Bóris Strugátski descrevendo a “via crucis” do livro sob a censura
soviética.
Estas histórias têm a ver, como parâmetros e precursores,
com a trilogia “Comando Sul” de Jeff VanderMeer: Aniquilação (2014), Autoridade
(2015) e Aceitação (2016), pela
Ed. Intrínseca, tradução minha.
Na história de VanderMeer temos também uma zona, a Área
X, que foi aparentemente visitada por extraterrestres, ou está sofrendo
espontaneamente uma mutação, isolada por um campo de força que tem apenas um
ponto de entrada.
Grupos de cientistas e soldados penetram por ali e se
deparam com fenômenos inexplicáveis: uma torre que desce de chão adentro, onde
uma criatura viva escreve frases místicas nas paredes com fungos luminosos;
animais que têm olhos de seres humanos; vestígios de chacinas inexplicáveis
entre os membros das expedições anteriores.
E mais, uma vez, quem entra ali morre de maneiras
inexplicáveis, ou sofre metamorfoses bizarras, ou retorna, semi-amnésico, para
morrer de câncer logo após.
Estas quatro obras, vistas em conjunto, exprimem uma área
da ficção científica que eu considero muito mais interessante e mais plausível
do que o subgênero conhecido como “invasão da terra”, em que somos
surpreendidos por alienígenas com exércitos semelhantes aos nossos, armamentos
semelhantes aos nossos, objetivos estratégicos semelhantes aos nossos,
pretextos geopolíticos semelhantes aos nossos.
As histórias de Invasão da Terra, por melhores que sejam
(e muitas são excelentes) sofrem dessa antropomorfização, em que os alienígenas
são basicamente semelhantes a nós (só que monstruosos), e querem invadir nosso
planeta porque precisam de minérios, ou de oxigênio, ou de espaço para habitar,
ou simplesmente porque são tão colonizadores e ambiciosos quanto nós.
Cientificamente, é mais provável que se um dia esbarramos
com extraterrestres esse contato não será uma mera guerrazinha entre dois
exércitos, sendo um de fuzileiros navais e outro de insetos desagradáveis. Não
será algo tipo Independence Day ou Tropas Estelares.
Será um encontro talvez trágico e destrutivo, mas acima
de tudo um encontro cheio de perplexidade, de circunstâncias indecifráveis, de
fatos que ao nosso juízo e à nossa cultura parecerão insensatos, aleatórios;
uma série de fenômenos que não conseguiremos interpretar como uma linha
coerente de ambições políticas e táticas militares.
Qualquer encontro com outra espécie inteligente
interplanetária será por definição um Labirinto Aleatório e talvez mortal.
4 comentários:
Excelente texto, gosto muito das suas descobertas de sub-gêneros.
Parabéns por ser um dos maiores entendedores de FC do Brasil!
Aguardo ansiosamente um livro seu do gênero (ou sub-gênero)
Bráulio, estou começando a ler ficção e fantasia. Muito me interessei por esse livro do Algis Budrys. Você sabe se existe alguma tradução na praça? Dei uma procurada rápida e me pareceu que ainda não foi feita.
Pedro Lira, não há tradução brasileira deste livro. Talvez haja em Portugal, mas nunca ouvi falar. Já o indiquei a várias editoras, ninguém se interessou.
Braulio, li o Piquenique por indicação sua, gostei. Me fez lembrar do Encontro com Rama de Arthur Clarke, no qual a nava passa pelo Sistema Solar sem nem se dar conta de nós, formiguinhas terráqueas.
Postar um comentário