quinta-feira, 30 de novembro de 2017

4291) Chico Salles 1951-2017 (30.11.2017)




(foto de Chico Salles por Livio Campos)

As estrofes rimadas do Destino me fizeram estar em Sousa, no sertão da Paraíba, quando recebi a notícia da morte de Chico Salles.

Vi logo, nas redes sociais, que não fui o único a ser pego de surpresa. Chico, além de ser a animação em pessoa, e de fazer trinta coisas ao mesmo tempo, era mais novo do que eu. Mas essa chamada não é pelo número da senha. Ela cai do céu como raio em céu azul. E contra ela nada adianta – o único jeito de se conformar com isso é fazendo trinta coisas ao mesmo tempo.

Para os que não o conheceram: Chico Salles era paraibano de Sousa, radicado no Rio de Janeiro desde a juventude, e que atuou, com o mesmo brilho, como cordelista, sambista e forrozeiro. Três áreas que eu vivo bordejando por curiosidade, e foi o amor pelo cordel, pelo samba e pelo forró que nos aproximou e nos uniu.

Este é um ponto interessante. São três “países” tão próximos e de idioma tão parecido que era de se esperar que houvesse um tráfego maior, um comércio maior entre eles, e até um número maior de pessoas com dupla ou tripla cidadania. Mas eu conheço poucos cordelistas profissionais que tenham composto e gravado forró profissionalmente; samba, então, nem se fala.

Por que? Não sei. São três estéticas diferentes, mas não tão complexas ou tão especializadas quanto alguém pode imaginar vendo de longe. O que se requer de um indivíduo para uma delas pode ajudar em muito a praticar as outras.

A junção entre o samba e o forró tem várias pontes sólidas armadas por gente como Jackson do Pandeiro, Bezerra da Silva e tantos outros. Os versos de cordel, em suas modalidades básicas de sextilha e septilha, se encaixam sem esforço em ambos os ritmos. Mesmo considerando que tanto “samba” quanto “forró” incluem um milhão de variantes rítmicas e estruturais cada um; mas as estrofes e as linhas do cordel são básicas, intuitivas, maleáveis, e correspondem, a esta altura, a uma cadência assimilada pela fala coloquial brasileira. Podem ser usadas sem esforço nas letras dessas canções, sem que pareçam um enxerto artificial.

Chico Salles vivia me catequizando para entrar na Academia de Literatura de Cordel, da qual era membro, e eu, apesar de simpatizar com a instituição em si, e de ter lá muitos amigos, sempre refuguei. Por que? Não sei. Acho que não gosto muito da pompa e formalidade em que as academias se deleitam, aquele negócio de “peço a palavra”, “nobre colega”, “procedamos à leitura da ata”, “vamos compor a mesa”. Mesa que eu gosto é mesa de bar.

Como por exemplo a do Botero, no Mercado das Artes de Laranjeiras, onde Chico pontificava e onde provavelmente nos vimos pela última vez meses atrás,  quando Vladimir Carvalho veio mostrar no Rio seu documentário sobre Cícero Dias. Ali a conversa fluía da Paraíba para o cinema, do Rio para o cordel, para as artes plásticas, para o mundo.

Foi em torno do samba que me envolvi pela primeira vez com um trabalho de Chico, a coletânea Sérgio Samba Sampaio, que ele concebeu, gravou, e lançou em 2013.  Nossa geração foi muito marcada pela música do poeta de “Eu vou botar meu bloco na rua”, uma obra sempre surpreendente, uma espécie de pós-Tropicalismo injetado de Zona Norte (como a de Jards Macalé) e de cultura pop (como a de Jorge Mautner).


Chico fez uma seleção brilhante dos sambas de Sampaio, um material que ouvi pela primeira vez no carro dele, voltando de uma gravação na Tijuca, rumo ao Lamas, na companhia imprescindível de Edmar Oliveira.

Depois veio o CD de Chico sobre Rosil Cavalcanti em seu centenário, Rosil do Brasil (2015), um álbum à altura do homenageado. Foi em outra homenagem que pela única vez dividimos o palco, numa palestra-espetáculo na Biblioteca de Botafogo, no Rio, quando foi comemorado o centenário de Luiz Gonzaga, em 2013. Chico levou um trio nordestino, que tinha inclusive Durval na zabumba, e encerramos o debate botando todo mundo pra cantar xote e baião, num coro que incluiu até Beto Quirino.



Pois é, Chico – nossa academia acabou sendo mesmo, sem desdouro para as demais, o circuito que passa pelo Manolo, pelo Botero, pelo Lamas ou sei lá o que mais. Cordel, forró e samba aproximam quem gosta de verso, de música, da mesa comunal onde todos são iguais na convivência e únicos no talento.  Parabéns pela beleza da obra, que é o que fica de nós. Obrigado pela alegria dos momentos, que é o que fica de tudo.








Um comentário:

Fraga disse...

Que belezura, Braulio. Vc faz a gente querer ter conhecido pessoalmente todos os falecidos (e tbm os vivos) que vc perfila. É isso: a morte faz questão de reunir lá com ela os maiores/melhores elencos. Prazerzão ler vc sempre, gracias.