No blog da London Review of Books, o redator comenta a
publicação de parte da tradução chinesa de Finnegans Wake de Joyce (o livro
deverá sair em 3 partes). A tradução foi feita por Daí Congrong, uma heroína. É
de se imaginar como terá ficado em mandarim este famoso trecho, logo na
abertura: “The fall
(bababadalgharaghtakamminarronnkonnbronntonnerronntuonnthunntrovarrhounawnskawntoohoohoordenenthurnuk!)
of a once wallstrait oldparr is retaled early in bed and later on life down
through all christian minstrelsy.’
Que tipo de conhecimento de uma obra literária pode ter uma
pessoa que não pôde ler o original, mas conheceu várias traduções
diferentes? A leitura de cem traduções
de um só poema, como li na coletânea O Soneto de Arvers, teria ainda mais
impacto se a língua original fosse indecifrável. Em francês, ainda dá pra checar. Francês é, em nossa cultura, uma língua meio
transparente, dá pra avistar alguma coisa através dela, pela sua ubiquidade na
imprensa, na moda, na propaganda, nas artes. Dá para, meio pedestrianamente,
comparar um soneto em francês e sua tradução brasileira. Todo mundo que estudou
nos colégios onde eu estudei arranha um francês suficiente para entender os
títulos das faixas de um disco de Françoise Hardy. Mas alemão, russo e chinês
(pelo menos para mim) são um muro de berlim, uma cortina de ferro e uma muralha
da china. Como posso afirmar que já li alguma coisa de Brecht, de Maiakóvsky ou
de Lao Tsé?
E no entanto li, sim. Alguma coisa passa numa tradução. Se
não o glossário das palavras, pelo menos o dicionário das coisas. O que
depender de visualização de imagens, ou do jogo de idéias, ou até um jogo de
palavras que podem ser substituídas por outras totalmente diferentes na
tradução, porque não é delas que se trata. Tudo que puder ser lido pode ser
traduzido. (A ordem nesta frase pode ser qualquer uma, porque toda leitura é
tradução.)
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