("Poema", de Joaquim Cardozo)
O rosto do poema é o formato que ele adquire na página
impressa. Aquilo que chamamos “a mancha gráfica”, o espaço ocupado pelas
palavras impressas na página branca. (Quando se trata de trechos em prosa
cerrada, essa mancha é um retângulo impresso cercado por margens em
branco.) A mancha do poema revela, no
primeiro vislumbre, sua extensão total, o comprimento das suas linhas, a (ir)regularidade
das estrofes. Nessas manchas de texto, que visualizamos de chofre antes de
decompô-las em palavras, percebe-se a respiração do poema, as expansões e
contrações da voz que o enuncia.
Alguém abre um livro e vê aquela massa compacta de texto que
é o “Uivo” de Allen Ginsberg, aquelas linhas intermináveis que se quebram à
margem direita e se derramam para a linha logo abaixo. Ao começar a ler, a
pessoa sabe que todo o resto do texto vai seguir aquele formato, vai obedecer
ao ritmo caudaloso daquela dicção (Ginsberg já afirmou que nos poemas dele o
tamanho da linha era a capacidade do seu pulmão, era toda frase que ele fosse
capaz de dizer antes de precisar encher os pulmões de novo). Se na página
seguinte o leitor acha um poema de e. e. cummings, vai ter uma informação
visual diferente, a começar pela abolição das maiúsculas, as palavras partidas
em pedaços verticais, etc. O poema típico de Ginsberg parece uma parede; o de
cummings parece uma folha caindo devagar.
Sempre que releio “O Caso do Vestido” de Drummond me
pergunto por que motivo ele partiu em dísticos (grupo de 2 versos) esse longo
rimance ibérico-cordelesco. Poderia ter mantido o fluxo vertical do texto, que
é todo em setissílabos, marcando apenas as pausas internas à própria narração,
como o fez em tantos outros (“O Elefante”, “Morte do Leiteiro”, “A Mesa”,
etc.). Mas não, ele saiu quebrando o poema todo de 2 em 2 linhas, o que torna o
“Caso do Vestido” facílimo de localizar, apenas folheando o livro. Tão
reconhecível quanto a divisão de 3 em 3 usada em “A Máquina do Mundo”, sem que
isso se deva a nenhuma imposição interna. Talvez alusão aos tercetos de Dante
na Divina Comédia, mesmo sendo brancos (sem rima) os versos que ele agora
usa. O efeito rítmico, ao meu ver, é o de conter um fluxo que poderia ser
contínuo, como quem desce de carro uma ladeira dando pisadinhas leves e
constantes no freio para brecar a aceleração da descida.
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