segunda-feira, 12 de outubro de 2015

3943) Vila Nova (13.10.2015)



O ano era 1976, e o Treze tinha um ataque que incluía João Paulo, Soares e Gil Baiano. Que outra coisa importante aconteceu no Brasil ou no mundo nesse ano? Eu, por mim, respirava futebol, cinema e cantoria de viola, em doses equivalentes e maciças. Ano de Congresso dos Violeiros, de muitas cantorias em bairros remotos de Campina, de muita conversa em torno de verso e em torno de livro. 

Foi por volta dessa época que Ivanildo Vila Nova me visitou no apartamento onde eu morava, perto da Rodoviária velha. Ele estava chegando de uma viagem à Bahia, e perguntou se eu conhecia um cantor chamado Elomar Figueira de Melo. Falei que não, e ele cantarolou trechos de “lá na casa do Carneiros / onde os violeiros / vão cantar louvando você...” e do “já que tu vai lá pra feira / traga de lá para mim...”  Foi a primeira vez que escutei os versos do Bardo de Conquista. E Ivanildo completou: “Não tem palavras que descreva esse homem, o jeito verdadeiro dele. E quando pega o violão e canta as coisas dele, então... É um apocalíptico”. Isso colou e virou um parâmetro. Tempos depois, quando mostrei a Ivanildo a versão acústica, original, de Bob Dylan cantando “It’s alright, Ma”, ele apontou na mesma hora e disse: “Apocalíptico também.”

Como se diria numa saudação oriental: “O poeta remoto e antediluviano que escuta em mim reconhece, saúda e homenageia o poeta antediluviano e remoto que fala através de ti.”  A poesia, cantada ou escrita, tem a sorte de parecer com a música. Pra quem quiser buscar a complexidade o céu é o limite, mas ao mesmo tempo tem uma área acessível à simples aplicação da técnica. É relativamente fácil fazer um bom verso. O que não é fácil é produzir versos de qualidade consistente, não importam as fases da inspiração e as marés da profissão, ao longo de muito tempo.

Ivanildo Vila Nova está fazendo 70 anos. Tem mais que o dobro do que tinha quando o conheci. Tem havido homenagens não somente ao grande repentista que é, mas também ao líder combativo, sem papas na língua, reivindicador, que trabalhou muito para que tanto a sociedade quanto o cantador vissem com olhos melhores o próprio cantador. Amigo exigente com todos e consigo mesmo. E o verso, como se sabe, uma navalha.

Naquele dia em que cantarolou Elomar, Ivanildo disse: “Esse livro é pra você. Me deram na viagem, eu achei muito maluco e concluí que o destinatário ideal era você.”  E pôs na minha mão a primeira edição do “Catatau” de Paulo Leminski, a mesma que conservo ainda hoje, quase aos pedaços mas completa. Portanto, se tantas outras coisas eu não devesse ao meu mestre Ivanildo eu já deveria Leminski e Elomar, pra começo de conversa.



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