segunda-feira, 7 de setembro de 2015

3913) Bola de gude (8.9.2015)




Na época em que joguei bola de gude (mais ou menos entre 1958 e 1965) a variante que se usava em nossa rua era assim: primeiro criavam-se os buracos na terra, rodando com força o calcanhar até produzir buracos hemisféricos com alguns centímetros de fundura, e depois espalhando a terra em volta, para aplainar. Eram três buracos formando um triângulo equilátero calculado no olhômetro, a cerca de um metro e meio de distância. O jogador tinha como objetivo colocar sua bola nos três buracos, sucessivamente, e ao mesmo tempo afastar as bolas dos outros jogadores. Para determinar a ordem de jogada, cada um atirava, da mesma distância, sua bola na direção de um dos buracos; quem colocasse a bola mais perto jogava primeiro.

Nas jogadas propriamente ditas a bola ficava apoiada no indicador curvado, e era atirada pra frente com a unha do polegar, pressionado contra o outro dedo até escapar de repente, arremessando longe a bolinha. (Também chamada “bila” por nossos vizinhos cearenses.) Quando se acertava dentro do primeiro buraco passava-se aos demais, sempre numa mesma ordem, até errar, cedendo então a vez ao próximo. Depois que a gente acertava o primeiro buraco, tinha o direito de alvejar as bolas dos adversários, atirando-as para longe. Quando a gente completava os 3 buracos tornava-se “mata” (=matador): ao acertar a bola de um adversário ela era retirada do jogo. (Nos jogos “na vera”, de-verdade, o cara ganhava a bola para si; nas partidas “na brinca”, a bola e o adversário apenas saíam do jogo.)

Quando nossa bola parava muito próxima de outra era possível dar a famosa “estica”, uma colisão violenta que jogava a outra bem longe. Havia também a “tranfa” (=transferência): se um acidente do terreno atrapalhava o “tiro” do jogador, ele media com o palmo um arco de círculo na areia (tendo a bola-alvo como centro) e movia sua bola para outro ponto desse arco, mantendo a mesma distância em relação à bola-alvo, enquanto dizia: “Peço tranfa!”  Quando havia algum pedregulho ou folha seca no meio, dizia-se: “Peço limpo!”  A palavra “tranfa” também sofria outra corruptela, sendo substituída por “Peço trança!”.

Enquanto o jogador não se tornava “mata”, era chamado “feda” (=fedorento); podia ser morto mas não podia matar as bolas dos demais. Isso deu origem à expressão “combinação contra o feda”: qualquer complô entre pessoas experientes para enganar ou explorar um sujeito ingênuo, novato, despreparado.  “Meu primo tentou conseguir um emprego lá, mas houve uma combinação contra o feda, e deram a vaga a um amigo do gerente.” Ganhava o jogo quem conseguia “matar” as bolas de todos os concorrentes.

3 comentários:

Paulo Rafael disse...

Em Pernambuco é bola de gude também e em Alagoas é bila. Abraço.

Fraga disse...

Êta joguinho universal, Braulio! De tudo que vc evoca, apenas duas diferenças regionais se notam entre o nordeste e o sul do sul: aqui, tranfa é "Quero muda!", ou simplesmente Muda! (= mudança). A outra é "Quero limpa!" (Quero jogada limpa, ou Limpa! somente). Isso até os anos 70. A partir da influência linguística do comediante Mussum, começamos a gritar Muds! ou Limps!, isso na periferia. De resto, em vez de jogo de bola de gude, no gauchês preferimos dizer jogar bulita. Em 74 publiquei esta quadrinha: Bolas de gude deixei/rolando na memória/repinicando na glória/de um pinball derrotar. (Abração!)

Marcos Soares disse...

Esse jogo fez parte importante da minha infância. Comprei muitas vezes bolas de gude no Armazém Triunfante, na Rua João Pessoa. Não raro, o jogo terminava em briga. Mas, no outro dia a batalha continuava como se nada tivesse acontecido.
Abs,
Marcos Soares