quarta-feira, 19 de agosto de 2015

3896) O leão sorridente (19.8.2015)




Por volta de 1731, o rei Frederico da Suécia recebeu um presente enviado pelo Rei de Argel: um leão, coisa rara na Suécia, algo que pouquíssimos habitantes do país nórdico tinham visto a não ser nas ilustrações pouco confiáveis da época, nos brasões heráldicos, nas pinturas. 

Presentear animais selvagens era um costume dos nobres daquele tempo. Podemos lembrar do romance de José Saramago, O elefante do rei A viagem do elefante (2008), que conta a odisséia do paquiderme que o rei João III de Portugal enviou de presente ao Arquiduque Maximiliano, da Áustria.

No caso do leão, o rei sueco se afeiçoou ao animal e o manteve em cativeiro e em exibição enquanto o animal durou. Após sua morte, decidiu que ele continuaria sendo visto pelo público, e enviou seus restos mortais para um taxidermista, a quem caberia empalhar o animal. Só que o artista não conhecia leões, e recebeu apenas os ossos e a pele do bicho.

O resultado foi uma criatura que não parece leão nem aqui nem em Estocolmo; lembra mais um cachorro sorridente, com dentes humanos e língua de fora. Sua imagem tem sido usada satiricamente na Internet (ver aqui: http://tinyurl.com/p5byrym). 

O caso do Leão do Castelo de Gripsholm, como é chamado, lembra outro presente real famoso, o rinoceronte que Dom Manuel I de Portugal recebeu e que foi imortalizado numa célebre gravura de Albrecht Durer. É um animal mais ornamental do que zoológico, sobre o qual já escrevi aqui: http://tinyurl.com/pu8hj4a).   


Não se trata apenas de que os artistas envolvidos são incompetentes ou maus observadores. Eu diria, pra resumir, que o contato com o Extraordinário estimula mais a imaginação do que a observação. Ao enxergar uma criatura que não corresponde aos seus parâmetros, ao seu repertório de referências, o artista interpreta detalhes erradamente; faz associações de idéias que não se aplicam ao caso; preenche lacunas coma primeira coisa ou a coisa mais vistosa) que lhe vem à mente. 

Sua imaginação é despertada por aquele objeto exótico ou bizarro que parece menos uma coisa real do que um produto da imaginação de outro artista.

O leão sorridente de Gripsholm e o rinoceronte de Durer pertencem à mesma categoria que aqueles mapas náuticos seiscentistas cheios de referências a lugares imaginários e a monstros fantásticos. 

Neles convivem, num mesmo plano, a realidade observada e os complementos arbitrariamente fantasiados pelo artista. 

É a mesma receita da ficção científica – só que neste caso a mistura é consciente, proposital e faz parte de uma convenção cultural da época. São objetos literários estimuladores da imaginação, mesmo que aparentados da observação científica.




2 comentários:

Paulo Rafael disse...

O nome do livro de Saramago é "A viagem do elefante".

Abraços

Braulio Tavares disse...

Valeu, Paulo Rafael. Vou fazer a correção. Não sei onde fui buscar esse título, e estava com a página da Wikipedia aberta (fui ver a data original de publicação).