E assim, como quem não quer nada, chegamos a um repertório de memes variado, irresistível, capaz de produzir, numa multidão bem estudada, reações previsíveis. Na política, p. ex., termos como “tucanalha” e “petralha” são repetidos por todos aqueles a quem interessa transformar palavras como estas em detonadores da violência irracional em A ou B. É um processo de adestramento, como aquele a que se submetem os pitbulls e outros cães de guarda: atacar sem pensar, assim que receber o estímulo longamente treinado.
Quando fornecemos a grupos em disputa não apenas motivos
para que se odeiem, mas também lhes damos um vocabulário de ódio (insultos que
deverão dizer, insultos que aprenderão a detectar no discurso alheio,
comparações pejorativas, clichês comportamentais, etc), basta ficar observando
à distância e introduzindo na redes os memes necessários, nos pontos
nevrálgicos (saites mais visitados, postadores mais seguidos), sempre que for
preciso. E ficou provado que é possível reger, ao longo de alguns dias, o som e
a fúria de milhões de pessoas que não se conhecem umas às outras e que julgam
ser dotadas de livre arbítrio.
As táticas repetem algumas do tempo da república velha:
inventar apelidos, nomezinhos ofensivos ou desdenhosos, palavras tão odiadas
que se tornem tabu, que se tornem senha, password, pronta para detonar em
qualquer ocasião. É muito útil saber que um indivíduo vai do zero ao crime em
menos de um minuto, se a palavra que ele foi adestrado para odiar for
pronunciada. Chamar os adversários na política de petralha ou de tucanalha não
é muito diferente de tratá-los no futebol por mulamba ou bambis. O que importa
é que o nome de achincalhe seja usado e repetido até virar um meme, um mantra,
um gatilho em forma de sons pronto para disparar ao mais discreto sinal do dedo
de alguém.
2 comentários:
ótima reflexão sobre o comportamento pavloviano.
E vá você, como professor, tentar estimular os seus alunos à análise crítica do que quer que seja. Não estão habituados a pensar e se recusam a aprender. Essa atitude é respaldada pelos sistemas de educação por meio, de um lado, do assédio moral e vigilância constante sobre os professores, e do outro lado pela total e absoluta complacência (que chega a ser incentivo) à ociosidade e ao desinteresse dos alunos. Em suma, as coisas estão como estão porque interessa a certos setores que assim estejam e como tal permaneçam.
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