terça-feira, 10 de março de 2015

3758) Caça aos clichês (11.3.2015)



Lendo uma entrevista do jornalista Sérgio Augusto no suplemento Cândido (Curitiba-PR), li um parágrafo que me alegrou e me constrangeu, quando ele fala do uso insuportável de clichês nas matérias de jornal e revista. Diz ele:

“Para ganhar tempo, paro de ler de imediato qualquer texto com clichês e expressões que abomino.  De imediato, mesmo, ainda que o assunto me esteja interessando. É minha forma de protestar em silêncio contra o insulto que a meu ver representam coisas do tipo ‘resgatar a memória’, ‘conquistar corações e mentes’, ‘ícone’ disso e daquilo, ‘emblemático’, e por aí vai, o glossário não para de crescer. Com a internet e seu vale-tudo vernacular, sintático e estilístico, esse descalabro atingiu culminâncias inéditas. Há blogs que, só de olhar, me provocam engulhos, com seus pontos de exclamação torrenciais, suas palavras ‘gritadas’ em caixa alta, seu gosto por hipérboles do tipo ‘o máximo’, ‘genial’, ‘imperdível’.”

Fiquei alegre porque concordo, e constrangido porque uso alguma dessas besteiras. São as filhas da pressa e da palavra impressa. Vemos uma frase repetida dia e noite, noite e dia, em jornal, em livro, em TV, em rádio, em papos ao vivo... Aquilo se instala em nossa memória por mero peso estatístico. Quando tentamos dizer alguma coisa parecida, nossa memória age como um Google e nos traz “a mais frequente, a mais acessada”. Aí a gente escreve coisas do tipo: “O novo livro de Fulano de Tal me deu um prazer inenarrável”.

O clichê nunca é uma simplificação, é sempre uma enfeitação de uma idéia.  Como tantas enfeitações, no momento em que aparece produz um susto-de-novidade que pode passar como uma comunicação mais intensa.  O leitor percebe aquela expressão que nunca viu na vida: “Resgatar a memória”. Que coisa profunda: a nossa memória, a nossa História foi sequestrada, e estamos invadindo o território inimigo, pegando-a de volta na marra, como é nosso direito, etc.  Depois da décima vez, no entanto (e pra isso bastam alguns meses depois da primeira vez), quem aguenta mais ouvir o clichê? Deixou de dizer. Virou uma expressão coringa, sem informação própria, e que está ali meio que guardando lugar para a próxima expressão criativa que alguém vier a produzir.

O clichê é como aquele cigarro de mentira dos caras que estão tentando deixar de fumar.  Eles ficam segurando, levando à boca, aspirando sem fumaça, botando no cinzeiro ou na beirada da mesa...  O objeto cumpre todo o ritual de movimentos de um cigarro, mas não tem essência de cigarro.  Não transmite informação nicotínica, assim como o clichê não transmite mais nenhuma informação verbal nova.



2 comentários:

Paulo Rafael disse...

Eu nem acreditei quando li um livro de autor novo e encontrei clichês em quase todas as páginas. Vai uma listinha do que encontrei lá:

Sem pensar duas vezes – um arrepio subiu pela espinha – partiu a toda velocidade – piada de mau gosto – feito fogo em mato seco – como se fosse a última vez – sentimentos à flor da pele – válvula de escape – luz no fim do túnel – alegria pura – franca desvantagem – ingrediente secreto – todas as maneiras possíveis e imagináveis – ossos do ofício – sou todo ouvidos – deu de ombros – feliz e saltitante – fumar feito chaminé – acalmar os ânimos – chorou de emoção – amava loucamente – alma tão doce – notícia tão catastrófica – arrepio na espinha – corrida alucinada – tristeza em seus olhos – inimigo invisível – situação incontornável – caminho misterioso – sorriso falso – tamanho disparate – paixão doentia – celebrar a vida – olhos lacrimejando – cena estarrecedora – chorava copiosamente – como se não houvesse amanhã – paixão passageira – como se visse um fantasma – tragédia mundial – acesso de loucura – estavam por conta própria – sol escaldante – ironia do destino – não podiam perder tempo – era só o que me faltava – é a única solução – tinha calafrios – gente de bom coração – fé nas pessoas – verdades incontestáveis – deixados à própria sorte – o que os olhos não veem, o coração não sente – sorriso estonteante – banho de sangue – sentiu um calafrio e engoliu em seco – onda de desespero – ou vai ou racha – a subida parecia não ter fim – futuro inevitável – afastar os demônios – momento crucial – vida em risco – sonho acordado – cada um por si – cara de poucos amigos – oração profunda – vigília silenciosa – rosto lavado por lágrimas – copo usado com marca de batom – veias saltavam do pescoço – como uma panela de pressão – metade vazia do copo – acreditar em nós mesmos – força do hábito – na medida do possível – abraço caloroso – mentir na cara dura – acelerar o processo – capacidade de superação – cadeia de comando – olhando nos olhos – vida que pulsa – missão impossível – debates acalorados – pagaram com a vida – o maior desafio da humanidade – num passado distante – manteve os olhos fixos – acreditar em nós mesmos é tudo que nos resta – quebrar as regras – lutando contra seus próprios demônios – engoliu em seco e esperou pelo pior – pavio curto – não mordiam a isca – foco do problema – barulho ensurdecedor – sem razão aparente – respirou fundo – pisou no acelerador – risada irresistível – umedecia os lábios – acelerou até o limite – velho sonho de infância – ultrapassar os limites – golpe atrás de golpe – punição severa – ordens são ordens – alguma coisa precisa dar certo – ataque brutal – jogo de gato e rato – salvador da pátria – lavando roupa suja – lição de moral – fortes indícios – jogada de marketing – tão perto e tão longe – fé em si mesmo – vista maravilhosa – paisagem impressionante – em alto e bom som – na pior das hipóteses – sorriso próximo da perfeição – olhos lacrimejavam – sonhos se tornam realidade – chorava de alegria – sorriso contagiante – precisamos conversar – aguente firme – olhava fixamente – saraivada de tiros – jogando conversa fora – dentes perfeitos – umedecendo os lábios – jurava de pés juntos – vista magnífica – negrume da noite – prateado da lua – beleza do raiar do sol – era tudo ou nada – a vista era realmente impressionante – muito além da imaginação – estava fora de si – espera angustiante – rangeu os dentes – como num passe de mágica – escrito nas estrelas.

Anônimo disse...

Eu estava procurando uma lista assim. Valeu!