terça-feira, 10 de dezembro de 2013

3365) A verdadeira cruz (10.12.2013)




Depois de muito foi-não-foi e muita enrolação, Seu Juca jogou a toalha e cumpriu a promessa de levar Dona Eunice para conhecer a Terra Santa. 

Foram os dois, e pense numa felicidade. Em Jerusalém conheceram os Passos da Cruz, o Santo Sepulcro, a Tumba de Davi. Seu Juca, respeitoso, tirava o chapéu vinte vezes por dia, e Dona Eunice se sentia a cada passo uma figurante da Bíblia.

Uma tarde, ao saírem do restaurante, foram abordados por um cavalheiro de terno com uma pasta de couro, que os saudou respeitosamente e perguntou: “Are you English?...” Seu Juca, lisonjeado, passou a mão pelo bigode e explicou em seu próprio inglês que eram de Campina Grande. 

O homem apertou a mão de ambos, sorridente, falou, gesticulou, e D. Eunice reparou que ele tinha um crucifixo ao pescoço e base nas unhas. O porteiro do restaurante começou a pedir que ele se afastasse mas Seu Juca o deteve com um gesto britânico. O homem abriu a pasta, tirou de dentro uma linda caixinha de madeira que abriu com cuidado e disse, devagar: 

– This is a piece of the Holy Cross. 

Seu Juca traduziu e D. Eunice arregalou os olhos.

Era um pedacinho de madeira, escuro, carcomido, do tamanho de um dominó. 

– A verdadeira cruz?! A de Cristo?! 

O homem assentiu e contou uma longa história da qual Seu Juca deduziu que ele descendia de um dos centuriões que vigiaram o Gólgota. 

– Será que é milagrosa? – murmurou D. Eunice, já fazendo planos. 

O homem sorriu com dentes de ouro e disse: 

– The miracle is in your heart, Madame. 

Num impulso, ela ousou perguntar: 

– Quanto quer por ela? 

O homem fechou a caixa, suspirou, falou uma algaravia difusa sobre uma esposa leucêmica e finalizou: 

– Fifty dollars.

Na voz de dólar Seu Juca sofreu um sobressalto atávico, e pela primeira vez notou que o terno do outro era cerzido, mas teve que explicar à esposa que não era quinze, era cinquenta, e já era tarde, D. Eunice tinha aberto a bolsa e puxado uma notona de cinquenta de um putufu que trazia dentro dela. Estava tão ansiosa que conseguiu entregar a nota com uma mão, pegar a caixinha com a outra e (aparentemente) afastar com a terceira o porteiro do restaurante, que fazia gestos de “aqui, não!”. 

O homem agradeceu, fez menção de beijar-lhe a mão, ela ofereceu a que não segurava a bolsa; com uma saudação meio árabe ele os cumprimentou e sumiu na multidão. Seu Juca disse: 

– Nega, enrolaram a gente. 

Ela disse: 

– Tás por fora, essa caixinha aqui é de cedro-do-Líbano, lá no Shopping de Campina vi uma por 300 reais. E esse cavaco véi parece pedaço de cruz, quer apostar que eu mostro essa butina a Tia Teresa e troco por aquele notebook que ela não sabe usar?!  







2 comentários:

Anônimo disse...

hehueheuheheuhe!
Sensacional!

J. K. Coutinho disse...

hahahaha
Malandro é malandro, sabe como é...