Começou a temporada final do seriado (TV a cabo, HBO) Breaking Bad. O derradeiro capítulo tinha deixado alguns milhões de pessoas penduradas na borda da falésia, ou no parapeito de um arranha-céu. Houve o salto. O vácuo. O negror de um tempo. E de repente o retângulo negro se ilumina. Surge um homem de barba ruiva e óculos, arrombando uma casa abandonada, onde garotos praticam manobras bobburnquistianas numa piscina vazia. Ele invade essa casa onde há um nome próprio cruelmente pichado numa parede interna entre as ruínas, e atravessa uma cenografia que transmite de modo competente a idéia de longo tempo passado. Pega o que tinha ido pegar, e cai fora dali, não sem cruzar casualmente com alguém.
Breaking Bad é história de uma descida ao inferno de um
sujeito que acha ter carta-branca para defender sua família. Nerd incurável, o
negócio de Walter White não é droga: é planejamento, competência, ciências
exatas e – agora, depois de tudo que passou – instinto assassino rumo ao topo
do pódio. A lentidão bouleversante da terrível certeza de seu adversário Hank,
uns olhos claros como olhos de zumbi de lenta iluminação, depois que caiu a
ficha, ou melhor, a tampa de bueiro. O folhear febril dos dossiês, num clip de
resumo. Um grande momento de tragédia grega, ou, no mínimo, aqueles momentos em
que o personagem descobre o que a platéia já sabia há tempos.
Uma esgrima verbal em normal e itálico num balcão de
lava-carros. Skyler vira Mrs. Heisenberg pra cima de uma intrusa. Um
interminável diálogo Repo Man entre dois malucos, que pode dar aos detentores
da franquia Star Trek pretexto para uma bilionária indenização. Cinco milhões
de dólares de mão em mão e ninguém quer, dinheiro de sangue, dinheiro não vale
nada mesmo, dinheiro na mão é vendaval. Momentos de tensão. Um ping-pong rápido
de grafologia, dedicatórias em plano de detalhe, o espectador, saturado de
informação, assinando embaixo de cada desfecho, ou quase todos.
O confronto em que A interpreta uma coisa para B com quem
dialoga e outra para a platéia subentendida. O momento do arranque de máscaras
de ambos. Hank não é um grande detetive num ranking sherlockiano, mas é um cara
pentelho, vasculhador, que tem a intuição correta sobre os crimes que têm
acontecido, mas não conseguiu (talvez por cegueira emocional, preventiva)
enxergar a verdade que vê agora. Dois
indivíduos, um que se defende como um tigre, outro que tem todos os motivos
para o ódio e a vingança, cada qual com a família do outro nas mãos. Momento
sertanejo, com “slide guitars” tipo Sérgio Leone, num hardboiled bolañesco em
Albuquerque, Estado do Novo México.
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