quinta-feira, 13 de junho de 2013

3211) Contracapa de Android (13.6.2013)




(by Catrin Arno)

&  estou inventando um espantalho eletrônico para afugentar spam  &  uma caveira com os olhos intactos nas órbitas  &  ele apostou comigo que seria capaz de musicar um livro de Clarice Lispector  &  um cardume de peixinhos virtuais flutuando à toa pela sala quando a TV entra em standby  &  às vezes a gente deseja até a III Guerra Mundial contanto que não tenha de entregar aquele texto na segunda-feira  &  no futuro o GPS dos taxistas será fornecido por uma franquia do Grand Theft Auto  &  eu escrevo mais concentrado do que ciclista descendo ladeira  &  toda tartaruga tem dentro do casco uma sala com poltrona, luminária, lareira e uma estante cheia de clássicos encadernados  &  um leque de papel de seda em chamas, e a madame se abanando nem aí  &  serpentes com serpentes menores dentro de si como bonecas russas  &  tinha uns olhos de quem sobreviveu a alguma coisa séria  &  na parede, o retrato emoldurado de um time com uma das silhuetas faltando  &  bendita a certeza de que um dia terei esquecido o que hoje me atormenta  &  a diferença entre a humanidade e os lemmings é que a humanidade explica por quê corre tanto  &  não sei o que é pior, se o primeiro dia num emprego ou se o último  &  dividir o tempo em dias, meses e anos é como dividir o mar com cordões esticados  &  um câncer não é muito diferente de uma pérola  &  escrever é desenterrar ruínas de si mesmo  &  saudade dos meus trinta anos, quando eu via alguém sofrer e não sofria  &  tô como cego em tiroteio, me desviando quando sinto o calor da bala  &  ainda deve existir algum país onde se publica anualmente um catálogo com o email e o celular de todos os seus habitantes  &  numa discussão de casal a letra perde logo o sentido e tudo que importa é domesticar a melodia do outro  &  nem todo poema contém poesia, assim como nem todo ruído é música  &  valei-me Nossa Senhora dos Desafogados  &  minha coluna dói tanto que não sei como não acorda todos os moradores do edifício  &  aquele momento de prazer indescritível quando alguém termina de fazer uma pergunta cuja resposta a gente sabe  &  um telefone toca no necrotério e ninguém levanta para atender  &  o pé de coelho não deu muita sorte ao coelho de onde saiu  &  um temporal daqueles que lavam a cidade e a deixam ainda mais suja  &  tem sujeito capaz de desenterrar uma pirâmide mas que não tem paciência para limpar a terra de um caco de cerâmica  &  um rei vestindo paletó e gravata equivale a um palhaço vestindo paletó e gravata  &  e lá vou eu mundo afora com meu apito de chamar peixes, minha pedra de guardar palavras, minha parede de acordar o sol  &  



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