terça-feira, 11 de junho de 2013

3209) A piada do incêndio (11.6.2013)



Analisar piadas é uma espécie de tarefa impossível ou de missão inútil. É como dissecar uma mulher bonita ou empalhar raios de sol.

Millôr Fernandes já teve um espaço no Pasquim em que ele reproduzia um cartum qualquer e depois o analisava, sempre começando com: “Evidentemente...” Eram gozações, como se um marciano que nada soubesse da nossa cultura e do nosso modo de ver as coisas quisesse analisar o comportamento de personagens de um cartum.

Mas eu tenho um princípio ideológico que não respeita nem o humor. É esse: “Se achar bom, pare e questione: Por que foi que eu achei bom? Se achar ruim, idem. Se achar engraçado, idem: Por que foi que eu ri?”

Vejam esta piada. Uma menina chega correndo ao quartel dos bombeiros. “Moço, me ajuda, minha casa está pegando fogo!”. O bombeiro responde: “Fique calma! Como surgiu o fogo?”, e a menina: “Na Pré-História, eu não sei exatamente, mas me ajuda por favor!!!”.   Eu ri, mas depois de rir eu sempre faço a pergunta: por que foi que eu achei graça?

Reexaminar suas emoções e reações durante um fato, mesmo fato bobo como uma piada, é um talento que qualquer um pode desenvolver. Ninguém nasce sabendo. Quando li essa piada, ainda há pouco, eu senti um misto de deboche e de piedosa ternura em relação à menina. A casa dela está pegando fogo, mas ela parece viver tão preocupada com as notas da escola que reage à pergunta do bombeiro como se fosse uma pergunta de um professor.

Toda piada (como toda história de mistério, segundo Isaac Asimov) se baseia em um elemento que pode ser visto ou interpretado de maneiras diferentes por diferentes pessoas. Esta piada surgiu quando alguém pensou nos dois sentidos possíveis da frase “como surgiu o fogo?”. Essa frase é o núcleo da piada.

E percebemos que de certo modo nós estamos atribuindo mais gravidade ao incêndio da casa do que a própria menina. O que lembra a frase de Ernesto Sábato, que volta e meia eu cito: “Enquanto o mundo for mundo, sempre haverá um homem que se preocupa com o universo enquanto sua casa pega fogo, e uma mulher que se preocupa com sua casa enquanto o universo pega fogo”.
 
No breve instante da “punchline”, a menina atribuiu valores equivalentes a um e a outro.

O que é tocante e nos enternece é ver o funcionamentozinho da mente ingênua, porque no estado de alarme da garota ela responde como se fosse a coisa mais natural do mundo, ao dar um alarme de incêndio para o bombeiro, ele lhe fazer uma “pergunta de prova oral de História”.

No mundo dela, é melhor responder ao que os adultos perguntam, mesmo que as perguntas deles pareçam uma coisa totalmente inadequada à gravidade da situação.






Um comentário:

Braulio Filho disse...

Parar para pensar quando rir de uma piada e parar para pensar muito quando gargalhar... interessante reflexão