sexta-feira, 7 de junho de 2013

3206) Era mentira (7.6.2013)




Era mentira quando eu disse que estava tudo bem, entre buzinas e pregões de rua, só falei isso porque não é na fila da bilheteria de um cinema, ainda mais um filme-família diet, que a gente começa a confessar a maior encrenca, a maior rebordosa, o maior mico-assassino em que se meteu nos últimos quatro anos ou cinco séculos. 

Era mentira também quando eu disse que estava tudo mal, que estava tudo um desastre, uma catástrofe, um fim de mundo, porque a verdade, a verdade espremida nos bicos-de-Bunsen da autoanálise, a verdade concentrada nas centrífugas dos batebocas, é que tudo na vida se conserta, tudo hoje em dia se varre para baixo dos tapetes de Penélope, tudo hoje em dia se releva com um drinque e um armistício, desde que a gente solte a pressão, mantenha a cabeça fria, resolva as duas ou três coisas mais urgentes e vá negociando as outras, afinal, quantas vezes na vida não fazemos isso?

Também era mentira quando prometi contar tudo, mentira, ninguém conta tudo, primeiro porque se considerarmos a sério ninguém sabe da missa um terço, segundo porque contar tudo exigiria do ouvinte tímpanos de asbestos e autocontrole de ninja masoquista, terceiro porque nunca jamais se deve puxar a alavanca que abre a comporta do silo de palavras derramando os bilhões de fonemas que soterrarão o indefeso.  

Se era mentira, e era, era o caso mais deslavado de mentira piedosa, minto para proteger e salvar, minto porque a corrente 220 da verdade reduziria qualquer um a perplexidade e pó fumegante. Quem foi que disse que mentira é pecado, que mentira é crime? Tragam-no à minha presença e eu o esfrangalharei em átomos com a descarga impiedosa de certas verdades que me virão à mente.

Era mentira e pronto, era mentira e daí? Tudo é mentira, miragem, ilusão de ótica, ilusão de ética, realidade virtual, computação gráfica, photoshop, cirurgia plástica. Tudo que você vê em volta é mentira, porque a verdade é quente demais para pegar, pesada demais para conduzir. A verdade é um trambolho, é um cisco no olho, é um elefante branco na sala de visitas, um jequitibá que cresceu na grande área de um campinho de futebol.  A verdade é intrusa, é confusa, é inconveniente, é desnecessária, é persona non grata, porque a verdade dói, adoece e mata. 

Era mentira, então esqueça e relaxe, siga em frente, faça de conta que já passou, aprenda a conviver com isso, me deixe aqui com a voz tranquila e meu rum montila. Foi mentira e dane-se, foi mentira e tanto faz, porque o mundo vai acabar de qualquer jeito. Afaste a mão, não venha não, solte a minha mentira, não mexa, não bula, não acorde, mentira adormecida arreganha os dentes mas não morde.









Um comentário:

Anônimo disse...

Eu fiz essa pergunta uma vez, fingi que não me ouvi. A primeira trombeta estourou o tímpano do meu ouvido direito, pois era justamente a pergunta que me esperava, não sobrou ave na Cidade das Palmeiras. As minhas mãos ressoavam como miragens, devido ao sonido. Cada passo que me dava ao chão, o não me despregava em forma de descompasso. O som doce da verdade flutuava no meu ouvido bom, a resposta queria me dobrar os joelhos. Eu a tentava ensurdecer com gritos dissonantes, tudo para impedir que a melodia se completasse. O meu corpo, ao se enganar, não conseguia segurar o próprio sangue do nariz, ouvidos e boca. No último arpejo, o último sopro, eu fiz o que me restava: fragmentar o espaço entre dois pontos. A resposta me batia à primeira porta e comecei a criar outras portas a cada espaço vão entre eu e o outro, a cada porta, outra porta e outra porta. Bate, bate... Não sabia mais se eu estava no meu sossego ou se eu estava em algum aposento criado por mim entre outra porta e outra porta. O vazio entre portas começa a me incomodar, pois o que há entre outra porta e outra porta. Eu estou com calos de tanto abrir maçanetas à procura do som da resposta da primeira pergunta que eu me fiz.