terça-feira, 6 de novembro de 2012

3023) "Gonzaga de pai pra filho" (6.11.2012)





O filme de Breno Silveira deve ter surpreendido quem esperava uma biografia linear de Luiz Gonzaga, sua vida de A a Z. O roteiro traça uma cronologia razoável da vida de Luiz, mas se concentra em sua relação com o filho Gonzaguinha. Pais ausentes, filhos carentes; um drama antigo, que ganha empatia ao envolver dois grandes artistas. Pai e filho foram o avesso um do outro: o migrante sertanejo que conviveu com políticos e coronéis, e o universitário de esquerda criado no morro. A sanfona e o violão, o forró e a MPB, e o fato de que a ascensão do filho coincidiu com o declínio do pai. Essa inversão das posições de poder deve ter ajudado (o filme sugere isso) esse reencontro (não sem aspereza de parte a parte) entre dois homens adultos, cada qual se julgando injustiçado pelo outro.

O filme funciona na razão direta da credibilidade dos atores. Chambinho do Acordeom talvez não reconstitua certos traços psicológicos de Gonzaga (ele parece ingênuo e juvenil demais, e tenho pra mim que Gonzaga era mais esperto, mais macaco-velho do que o que aparece no filme), mas sua simpatia, seu sorriso e seu carisma evocam sem esforço o Gonzaga desse período. Já Adélio Lima, que faz o Gonzaga idoso, tem uma composição mais profunda e mais complexa. É um homem amargo, irônico, vivido, castigado pela fama e pela incessante batalha. Julio Andrade, por sua vez, é um impressionante clone de Gonzaguinha, reconstituindo seu jeito desengonçado, tenso, nervoso, como uma corda de cavaquinho prestes a saltar.

O filme é um melodrama redondo e firme, comparável ao Dois filhos de Francisco do diretor. É a história da luta pelo sucesso e do valor cobrado pelo imposto do sucesso, que não é menor que o do fracasso.  A narrativa se torna meio confusa no aspecto fonográfico quando acompanha os primeiros anos do estouro nacional do baião, mas acho que só os cronologistas profissionais percebem. O enfoque adotado, de deixar a obra em segundo plano, faz os parceiros de Gonzaga terem uma passagem relâmpago pela tela, mas em compensação o casal Henrique e Dina (os pais adotivos de Gonzaguinha) tem sua importância reconhecida.

O problema de todo melodrama é a busca forçada da emoção. O filme poderia ser mais seco e mais calmo em vários momentos, mas há muitos outros em que o diretor parece achar o tom certo, que sugere uma emoção real. Não é fácil recriar em uma dúzia de cenas a complexidade de uma relação afetiva que se deu durante décadas. Exigir isto de um filme é um pouco como Gonzaguinha tentar trazer para uma fita cassete C-60 a história inteira dos seus pais. O resultado é honesto, simpático, apesar da tarefa impossível que se propõe.


Um comentário:

Braulio Tavares disse...

"Vida do Viajante" de Dominique Dreyfuss é legal. "O Sanfoneiro do Riacho da Brígida" é uma muito citada, mas que nunca li. O livro de Bené Fonteles, "O Rei e o Baião" (2012) não é biografia mas traz informações e uma iconografia muito rica. José Mário Austregésilo tem um livro de análise com uma discografia bem detalhada.