(Jorge de Lima e Murilo Mendes)
Em matéria de oxímoro,
ou de paradoxo, o título deste artigo merece um prêmio. Quem tiver alguma familiaridade com o
movimento surrealista que surgiu em Paris nos anos 1920 deve lembrar o seu
espírito violentamente anti-clerical. Os
Surrealistas, que planejavam dar poderes totais à mente humana, livre de todos
os tipos de censura e de coerção, certamente combatiam a igreja da época, um
mecanismo de lavagem cerebral só comparável ao dos partidos políticos. O cinema de Luís Buñuel, com suas provocações
permanentes à igreja (L’Âge d’Or, Viridiana, etc.) levou para as grandes platéias
o que estava entranhado na poesia de André Breton ou de Benjamin Péret. Creio que foi Péret quem escreveu certa vez:
“Andando pela avenida tal, cruzamos com dois padres que vinham em sentido
contrário ao nosso. Diante de tal provocação, não tivemos escolha senão
agredi-los”.
É engraçado, porque os
dois mais famosos e respeitados poetas surrealistas brasileiros são dois
cristãos que soam bastante sinceros, até pelas crises e dúvidas que os acometem
(cristão que nunca tem dúvidas terríveis é porque não entendeu o
Cristianismo). Jorge de Lima (1895-1953)
e Murilo Mendes (1901-1975) jamais ousariam, como Péret, dar uns cascudos no
vigário. Os dois eram amigos, foram
contemporâneos de geração dos surrealistas franceses, mas sua poesia foi (ou
veio) em outra direção. Jorge de Lima
publicou em 1952 seu poema-livro Invenção de Orfeu, que na maior parte do
tempo é de uma imagética surrealista como poucos brasileiros conseguiram, e
numa estrutura épica que poucos surrealistas franceses tentaram, se é que algum
tentou. Murilo Mendes foi também picado
por esses dois mosquitos concorrentes, a religião católica e a revolução
surrealista. São dois softwares que
parecem se inviabilizar mutuamente, mas nestes dois poetas o surrealismo serviu
menos como uma visão do mundo e mais como uma maneira de tratar a linguagem, de
manipular a linguagem através de um certo desregramento imaginativo, alimentado
pelo inconsciente e logo mantido sob controle.
3 comentários:
Acho que discordo, Bráulio. Há muito de surrealista no catolicismo. É só lembrar da frase de Tertuliano: "Credo quia absurdum", ou seja, creio porque é absurdo. Acho que os surrealistas tinham é medo da concorrência.
Tem razão, Torero. O Apocalipse, por exemplo, é surrealismo puro. E toda aquela parte dos profetas visionários (Ezequiel, etc.).
Muito legal, curiosidades literárias com Braulio Tavares hehehe
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