sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012
2795) FC e linguagem (17.2.2012)
(William S. Burroughs)
As fórmulas para escrever bem são como as fórmulas para ser feliz. A gente lê, entende tudo, e fica na mesma. Por que? E por que motivo existem tantas oficinas literárias, cursos universitários de escrita criativa, e assim por diante? A multiplicação (e a variedade) das fórmulas mostra apenas que não existe uma fórmula, mas cada escritor ou crítico foi capaz de perceber uma atitude, um método ou um truque que foi de utilidade para alguém no passado. E o presente continua na mesma, porque o que ajuda alguém a escrever não é uma fórmula; talvez seja a combinação única de uma dúzia de fórmulas que se harmonizam com seu jeito pessoal de pensar e de trabalhar.
Richard Harding David (1864-1916) disse: “O segredo da boa escrita é dizer uma coisa antiga de uma maneira nova ou uma coisa nova de uma maneira antiga”. Pode-se substituir coisa por idéia, e maneira por estilo. Esta frase, curiosamente, ecoa o que dizem muitos teóricos da ficção científica, para os quais temática de FC e técnica vanguardista não combinam. Por que? Porque a dose de novidade na temática FC é muito grande, requer do leitor, a partir da página 1, que se familiarize com outro planeta, outra civilização, outros hábitos, outra tecnologia... Existe uma estranheza fundamental na matéria descrita, e se a essa estranheza soma-se algum tipo de estranhamento na linguagem, o leitor se vê duplamente perdido.
Claro que poderíamos questionar isto exibindo muitas obras bem sucedidas de FC que têm uma linguagem no mínimo anticonvencional, como os romances de William S. Burroughs, mas não consigo imaginar toda a FC do mundo sendo produzida com aquela linguagem. A linguagem padrão da FC tem sido o romance tradicional, que é narrativo, descritivo e digressivo. A montagem dos capítulos, a organização dos parágrafos, a pontuação, tudo isso em mais de 100 anos tem se mantido muito homogêneo tanto na FC mais comercial e ingênua quanto na FC mais intelectualizada e inovadora. A sintaxe do romance clássico se expõe e se oferece para ser contaminada pelas doses vertiginosas de novidade e estranheza da história a ser contada, das “dramatis personae” convocadas à ação (alienígenas na raiz da palavra) e dos ambientes que o leitor é forçado a criar em sua própria mente, porque não correspondem a nada que ele tenha presenciado.
A FC tende a ser (embora jamais o seja 100%) um caso de “uma coisa nova de uma maneira antiga”; e isto é parcialmente confirmado pelo seu inverso, a literatura vanguardista, que em geral aborda temas e cenários banais ou minimalistas, para que o impacto da linguagem não sofra a interferência de um impacto de conteúdo.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
3 comentários:
Creio que isto é verdade.
Talvez seja este o motivo da crítica "mainstream" encrencar com FC.
Mas, na medida, em que cenários e histórias de FC se tornam "feijão-com-arroz" em filmes e séries de TV, será que não acabará havendo um momento onde conteúdo e formato se tornarão impactantes de igual maneira?
Usando um exemplo de série de TV, o formato (com flashbacks e flashforwards) e o conteúdo de Lost não são típicos, nem convencionais.
Mas alguns mestres da FC experimentaram com a linguagem de uma maneira bastante interessante, como o Alfred Bester de Tiger, Tiger (numa forma análoga à dos poetas concretos)e o Stanislaw Lem de O incrível congresso de futurologia, que também inventou uma novilíngua.
Sempre há exceções, claro, e elas até por isso mesmo chamam nossa atenção. Mas a regra é clara!
Postar um comentário