terça-feira, 15 de novembro de 2011
2714) A verdade de Deivid (15.11.2011)
O Flamengo tem um atacante chamado Deivid que é um mistério maior do que a Esfinge. Em primeiro lugar, não é um mau jogador; já o vi jogando muito bem pelo Santos e outros clubes. Tem técnica, é esforçado. Mas quando desembarcou no Flamengo protagonizou a maior série de gols-feitos-perdidos-pelo-mesmo-jogador já vista em nosso futebol. Tornou-se candidato permanente àquela graçola do “Globo Esporte”, o “Inacreditável Futebol Clube”. (Está se redimindo, aliás – já é o 2o. artilheiro do Brasileirão.)
Mas não é dos gols de Deivid que quero falar, e sim de suas entrevistas. Dias atrás, o Flamengo teve que disputar uma partida no Chile precisando vencer de 5x0 para se classificar. Perguntaram a Deivid se ele viajaria de boa vontade, e ele disse: “Claro, pelo menos para ir no free-shopping”. A imprensa pegou esse mote e não falou noutra coisa durante dias (se isso era “atitude de profissional”, etc.). Não passou muito tempo, perguntaram a Deivid numa coletiva quem iria ser o campeão brasileiro, e ele disse: “Acho que é o Corinthians”. Pronto! Outro quelelêi. Agora leio no jornal que ele puxou a cadeira para dar mais uma coletiva e foi logo dizendo aos jornalistas: “Querem que eu fale a verdade ou que dê uma resposta-padrão?”.
Convenhamos, uma interpelação desse tipo não é comum num jogador de futebol, e só pela coragem e sinceridade de fazê-la perdôo a Deivid os últimos vinte gols feitos que ele perdeu, inclusive aquele contra o Santos. Existe uma sutileza insuspeitada nessa pergunta. Porque as respostas padrão existem para não responder nada (“Estamos bem preparados, é levantar a cabeça, vamos em busca do nosso objetivo, etc.”); e as respostas sinceras, mais capazes de surpreender e de causar assunto, são as que os jornalistas mais gostam. O engraçado, porém, é que o jogador em geral é elogiado quando dá respostas-padrão e criticado quando diz o que pensa.
Na política do futebol, tanto quanto na política da literatura ou na política da administração pública, nem sempre se deve dizer o que se pensa. É um jogo, e não devemos revelar ao adversário que cartas temos na mão, ou que movimentos pretendemos fazer daqui a pouco. Qualquer ABC de diplomacia desaconselharia Deivid a dar aquelas duas respostas. A diplomacia é a hipocrisia do Bem, aquela que prefere uma grande mentira a um pequeno constrangimento. Deivid falou na entrevista aquilo que os jogadores conversam entre si, quando não há jornalistas por perto. Os jornalistas deveriam agradecer-lhe por esse “flash”, essa revelação do que é o mundo quando não precisamos contar mentiras politicamente corretas para ninguém.
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